Por Daniel Zen*
Sobre a matéria do Fantástico, veiculada no domingo, 08/06/2025, a respeito do anexo de uma escola estadual rural funcionando em um curral, não se trata apenas da ausência das estruturas e condições (físicas e de pessoal) adequadas. Trata-se de um sintoma de algo mais profundo.
Além do abandono do planejamento estratégico como ferramenta de gestão educacional, tem se observado, nos últimos 6 anos do governo de Gladson Cameli, uma valorização exacerbada daquilo que é complementar (fardamento e material escolar gratuitos, prato extra) em detrimento do que é o principal (o ensino-aprendizagem), o que se constata a partir de um certo desdém por aqueles que considero os 7 pilares sobre os quais devem se assentar as políticas públicas educacionais:
- Desenvolvimento profissional: trata-se não apenas de salários dignos, mas também de estruturação da carreira e de formação, inicial, continuada e em serviço. No governo de Gladson Cameli assistimos a um contrasenso: a partir do advento do Novo FUNDEB, com mais recursos disponíveis para a Educação, no lugar de uma reestruturação da carreira se observou a desestruturação das tabelas salariais, com redução dos percentuais de incremento salarial a cada progressão e promoção funcionais, além do fim dos programas de formação continuada e em serviço.
- 2. Currículo: o currículo deve permanecer em constante atualização e melhoria. No governo de Gladson Cameli não se conhece nenhum movimento ou trabalho de revisão ou atualização das referências curriculares locais para a Educação Básica que, por sua vez, devem seguir os parâmetros e diretrizes curriculares nacionais.
- 3. Avaliação: a avaliação educacional deve abranger não apenas a aprendizagem dos alunos, mas também o desempenho profissional de docentes e as condições de oferta do sistema para com suas escolas. No governo de Cameli não houve avanços nas tratativas que vinham sendo realizadas para implantar os sistemas de avaliação de desempenho profissional, da gestão escolar e das condições de oferta. Além disso, o mais grave: as provas do Sistema Estadual de Avaliação da Aprendizagem Escolar – SEAPE deixaram de ser realizadas. Avaliar a aprendizagem é fundamental para saber se as políticas educacionais estão na direção correta. Elas permitem corrigir os rumos e ajustar a rota para obtenção de melhores resultados. Planeja quem faz. E planeja melhor quem avalia o que foi feito.
- 4. Gestão e governança escolar: esse pilar das políticas educacionais abrange a necessidade de acompanhamento tanto da dimensão pedagógica, quanto da dimensão administrativa e das relações comunitárias das escolas para com o seu público. No governo de Gladson acabaram os estímulos para a melhoria da gestão escolar. O Prêmio Gestão Escolar deixou de ser realizado e as gratificações conhecidas como VDP e VDG foram desvinculadas dos resultados concretos de cada escola.
- 5. Regime de Colaboração: a atuação em regime de colaboração, prevista na CF/1988, abrange o pacto federativo e a articulação em torno dos sistemas nacional, estaduais e municipais de Educação. O regime de colaboração se traduz, dentre outras medidas, no correto ordenamento de rede, realizado de modo constante, todos os anos, entre as redes estadual e municipais de Educação Básica. É ele que permite que a oferta educacional seja compatível com a demanda, evitando “surpresas” como as que a matéria do Fantástico apresentou, de alunos isolados tendo que improvisar um local para estudo por falta de transporte escolar ou de uma escola mais próxima.
- 6. Qualidade e equidade: esse pilar ou dimensão das políticas educacionais inclui a busca constante pela melhoria nos indicadores e a oferta de padrões mínimos básicos de qualidade para todos. A busca por universalizar padrões mínimos de qualidade não pode ser um movimento isolado. Ele deve ser constante, incessante e, junto com os salários dos professores, deve consumir a maior parte das despesas com Educação de um Estado ou município. No governo de Gladson parece ter havido uma inversão dessa lógica. Contratos para aquisição de equipamentos, vigilância armada e materiais didáticos de utilidade questionável têm tido mais prioridade do que a construção de uma escola minimamente decente para atender alunos da zona rural.
- 7. Educação Integral: isso inclui as escolas de tempo integral propriamente ditas, mas também uma busca pela ampliação do tempo da jornada escolar e de permanência dos alunos nas escolas regulares. No governo Cameli, preferiram acreditar na panacéia ilusória das escolas civico-militares para poucos, como uma solução milagrosa para os problemas de disciplina escolar, do que e investir na melhoria das condições das escolas regulares para todos ou na ampliação das escolas de tempo integral para muitos.
A desatenção para com esses fatores tem levado a uma piora em praticamente todos os indicadores educacionais, de acesso, de permanência e de desempenho: o número de matrículas caiu, a distorção idade-série aumentou, a queda no analfabetismo e o crescimento no IDEB estagnaram. Aqui vale lembrar que tais indicadores nunca deixaram de melhorar durante todos os governos da antiga Frente Popular do Acre (FPA), em razão da opção pela continuidade das políticas públicas assentadas em tais bases sólidas.
Mas, infelizmente, nos últimos tempos, com raras exceções, o eleitorado têm preferido escolher políticos que manejam bem as novíssimas tecnologias da informação e comunicação, que sabem lacrar em redes sociais, do que aqueles que sabem trabalhar e entregar ao povo o que de fato importa: um serviço público melhor, que contribua para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. O resultado é isso: alunos ocupando lugar em currais, enquanto alguns que poderiam estar em currais acabam sendo eleitos para ocupar lugares na gestão pública.
*Mestre (UFSC) e doutor (UnB) em Direito. Professor do Curso de Direito da UFAC e ex-secretário de Educação do Acre.