Parlamentares restabelecem trechos de lei com potencial de impacto de até R$ 197 bilhões até 2050; Frente Nacional dos Consumidores de Energia estuda ação no STF.
O Congresso Nacional derrubou, nesta terça-feira (17), parte dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a uma lei que, originalmente, tinha como foco estimular a geração de energia eólica em alto-mar. A decisão dos parlamentares, no entanto, devolve ao texto dispositivos conhecidos como “jabutis”, artigos incluídos durante a tramitação que não têm relação direta com o tema central do projeto.
Com a derrubada dos vetos, os trechos retomados na lei por deputados e senadores, que agora passam a valer, podem provocar um aumento médio de 3,5% na conta de luz para os consumidores brasileiros, segundo cálculos da consultoria PSR, contratada por entidades do setor elétrico como a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace Energia).
Elas explicam que o impacto financeiro estimado até 2050 é de R$ 197 bilhões, o equivalente a cerca de R$ 7,8 bilhões ao ano.
E o custo pode ser ainda maior, já que o Congresso ainda deve votar outros trechos da lei que permanecem pendentes de análise. No ano passado, 12 associações informaram, em nota, que se todos os dispositivos forem mantidos, o impacto total poderá chegar a R$ 545 bilhões, com aumento médio de 9% na tarifa de energia para o contribuinte.
Essa carta das associações foi encaminhada à Casa Civil, da Presidência da República. Depois, em janeiro, o presidente Lula atendeu ao apelo das entidades e excluiu (vetou) da nova lei os artigos que provocariam o aumento. Agora, o Congresso desfaz a decisão do petista e adiciona à lei os trechos que impactam na conta do consumidor.
Principais pontos que voltaram à lei
Entre os trechos que voltam a valer após a decisão do Congresso, estão:
Obrigação de contratar energia de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs): O texto determina a contratação compulsória de 4,9 GW de energia dessas usinas, o que, segundo a PSR, pode gerar um custo adicional de R$ 140 bilhões até 2050. Atualmente, essa contratação é feita de forma gradual, conforme a demanda do mercado.
“Ao impor contratações específicas sem justificativa técnica ou econômica, como a inclusão de 4,9 GW em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), o PL cria distorções. Embora as PCHs desempenhem um papel importante na matriz elétrica brasileira, sua contratação compulsória, sem planejamento adequado, agrava ainda mais a sobreoferta atual de energia no Brasil, aumentando a dificuldade em equilibrar oferta e demanda, ampliando os cortes de geração (curtailment) de energia renovável e gerando impactos financeiros significativos para o setor elétrico”, diz a nota técnica das 12 entidades;
Contratação de hidrogênio líquido a partir do etanol no Nordeste e de novas eólicas no Sul: O impacto estimado é de R$ 33 bilhões – R$ 28 bilhões pelo hidrogênio e R$ 5 bilhões pelas eólicas.
Prorrogação de contratos do Proinfa: O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica terá contratos prorrogados por mais 20 anos, o que deve acrescentar R$ 24 bilhões ao custo total.
Reação do setor
Para a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, a decisão dos parlamentares representa uma ameaça ao equilíbrio financeiro do setor elétrico e ao bolso dos brasileiros.
“Nós confiamos nas informações que tivemos dos senadores de que esse assunto seria votado somente em agosto, mas surpreendentemente mudou para hoje. Vamos avaliar que medidas podemos tomar. Não precisa desse tipo de energia agora, ela vai tornar o sistema ainda mais difícil de ser operado. E não vai para o orçamento da União, é tudo no bolso do consumidor”, afirmou Luiz Eduardo Barata, presidente da FNCE.
Segundo ele, além do impacto direto na tarifa de energia, o aumento pode gerar efeito cascata sobre o comércio e os serviços, pressionando ainda mais a inflação.
Em nota, a FNCE informou que estuda entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a decisão do Congresso.
“Ao derrubar os vetos da lei, o Congresso torna-se responsável pelo aumento na conta de luz dos brasileiros e por instalar o caos definitivo no setor elétrico. Com os jabutis em vigor, a perspectiva é de que haja retração na geração de energias renováveis”, disse a frente em comunicado.
O que ainda falta ser votado
Outros dispositivos que podem causar mais aumento na conta de luz seguem pendentes de análise no Congresso. Segundo as entidades do setor, os impactos adicionais podem chegar a R$ 348 bilhões, com destaque para:
- Extensão de prazo para contratação de usinas a carvão: R$ 92 bilhões;
- Obrigação de pagamento por energia de térmicas a gás: R$ 155 bilhões;
- Manutenção de subsídios à energia solar: R$ 101 bilhões.
Juntos, todos os trechos da lei podem levar o impacto total a R$ 545 bilhões até 2050, segundo a estimativa das associações.