Ação do ICMBio provoca protestos, desinformação nas redes e ameaças a defensores da floresta, como Marina Silva, Raimundão e Júlio Barbosa.
Desde o dia 5 de junho, a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, símbolo da luta pela preservação da Amazônia e dos direitos das populações tradicionais, virou centro de um conflito que mistura crime ambiental, manipulação política e ameaças contra defensores da floresta.
A deflagração da Operação Suçuarana pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que busca frear crimes ambientais na região, se tornou alvo de distorções, desinformação e ataques coordenados contra lideranças históricas.
A ação tem como foco propriedades com histórico de desmatamento, como a região da Maloca, localizada no sul da Resex. Até esta sexta-feira (13), dois fazendeiros foram oficialmente alvos da operação. Josenildo de Souza e Gutierrez Rodrigues. Mais de 300 cabeças de gado já foram apreendidas.
Josenildo foi obrigado a desocupar a área por decisão judicial. Já Gutierrez, de acordo com a assessoria do ICMBio, ainda permanece na área por ter um recurso pendente no processo.
“Essa ação visa atingir alvos muito específicos, onde já houve reiteradas notificações para retirada de invasores e de gado. Ela tem um caráter educativo”, explicou Carla Lessa, gerente regional do instituto.
A criação de gado na reserva só é permitida em pequena escala e para subsistência, mas os dois fazendeiros mantinham rebanhos acima do limite permitido.
Reações nas redes e ameaças a lideranças
A operação gerou forte reação de setores políticos e de parte da população local. Vídeos de fazendeiros chorando pela perda do gado circulam nas redes sociais, e buscam gerar comoção, alimentando discursos contra o ICMBio.
As manifestações passaram a incluir ataques à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao seringueiro Raimundo Mendes de Barros, o “Raimundão”, primo de Chico Mendes, e a Júlio Barbosa, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
Em um áudio que circula em grupos de applicativo de mensagens, uma mulher não identificada faz ameaças explícitas a Raimundão, relembrando de forma violenta o assassinato de Chico Mendes, em 1988.
O vereador de Xapuri, Alcemir Teodózio (União Brasil), também foi flagrado criticando Raimundão e Júlio Barbosa, acusando-os de crimes ambientais e responsabilizando-os pela fiscalização.
“Não é punindo o Zé (Josenildo) que vai resolver o problema. Punir o Zé é simplesmente enxugar gelo. Então, vai lá no Raimundo, que tem uma serraria. Vamos lá no Júlio Barbosa, que tem uma fazenda na terra deles. Porque são eles que levam daqui pra lá essas questões. Porque são eles os líderes de Marina e Lula”, disse o vereador.
A ministra Marina Silva reagiu às críticas em publicação nas redes sociais, na última quinta-feira (12), defendendo a operação e esclarecendo que as ações têm como alvo invasores ilegais, e não as comunidades extrativistas tradicionais.
Impacto ambiental
A Reserva Chico Mendes é hoje a quinta Unidade de Conservação mais desmatada da Amazônia. De 2008 a 2024, perdeu 549 km² de floresta, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2025, o desmatamento já supera em 25% o total registrado em todo o ano passado.
O avanço da pecuária ilegal é apontado como uma das principais causas da degradação ambiental na região. O CNS estima que entre 200 e 300 famílias estejam ocupando a reserva de forma irregular, com invasões intensificadas desde 2016.

“Eu continuo”
Raimundão afirmou que não se intimida com as ameaças e que seguirá defendendo o território. Ele informou, ao site InfoAmazônia, que sua família está reunindo provas para formalizar uma queixa-crime pelas ameaças sofridas.
“Eu recebi informação de companheiros, de fontes fidedignas, que tem elementos atrás de tirar a minha vida. Porque eu continuo. Eu não retiro um milímetro se quer, da causa em defesa da Amazônia”, declarou o seringueiro, durante um evento em Rio Branco, nesta sexta-feira (13).
Júlio Barbosa, presidente do CNS, também relatou ataques nas redes sociais. Para ele, a pressão contra a fiscalização está diretamente ligada ao interesse de grupos que lucram com a ocupação irregular e o avanço do desmatamento.
“Nossa posição é de que precisamos defender a integridade física das nossas reservas e garantir o direito das populações tradicionais que, de fato, precisam da reserva para trabalhar”, afirmou Barbosa.
O que dizem os alvos
Em entrevista, Gutierrez Rodrigues chorou ao falar sobre a retirada do gado e disse que a criação é sua única fonte de sustento. Ele pediu que a área da Maloca seja retirada dos limites da reserva. Já a filha de Josenildo, Renata Mayara de Souza, também cobrou diálogo com as autoridades e afirmou que a família busca uma solução pacífica.
Ambos negam envolvimento nas ameaças a Raimundão e Júlio Barbosa.
Enquanto isso, a Operação Suçuarana segue em andamento. Após a apreensão, o gado será destinado a programas de alimentação em escolas e centros sociais.