Intercept revela suposto esquema de grilagem e violência envolvendo família de latifundiários na Amazônia

Documentos obtidos pelo Intercept detalham movimentações financeiras suspeitas, ataques a extrativistas e manobras jurídicas da família Zamora, na fronteira do Amazonas com o Acre.

Uma investigação da Polícia Federal (PF) expôs detalhes sobre a atuação da família Zamora, poderosa e tradicional do agronegócio na fronteira do Amazonas com o Acre, segundo apuração do Intercept Brasil. De acordo com a reportagem, o grupo é investigado por suspeitas de fraude, corrupção, lavagem de dinheiro, desmatamento e formação de milícias para pressionar e ameaçar os moradores do acampamento Marielle Franco, localizado dentro da Fazenda Palotina, na cidade de Lábrea (AM).

A propriedade, que possui extensão estimada entre 28 mil e 40 mil hectares, maior que cinco capitais brasileiras, pertence à União e está registrada irregularmente, segundo informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), apuradas pelo Intercept. Ainda assim, a família Zamora vem tentando formalizar a posse desde pelo menos 26 anos atrás, utilizando fracionamento de pedidos de regularização e contatos com agentes públicos para legitimar a ocupação irregular.

Segundo documentos judiciais e relatórios da PF obtidos pela reportagem, os investigados — Sidnei Zamora, a filha Isabella Zamora e o filho Sidney Zamora Filho — teriam movimentado milhões em operações suspeitas, inclusive saques em dinheiro vivo e transações com agentes públicos.

Foto postada por Sidney Zamora Filho, com sua irmã Isabella, em sua conta no Instagram no dia 16 de outubro de 2021. Foto: Instagram/Reprodução

Um exemplo destacado é o saque de R$ 75 mil feito por Isabella em novembro de 2019, dias após o reconhecimento da posse da fazenda pelo superintendente do Incra na época, João Batista Jornada. Conforme a reportagem, a Polícia Federal considera que a operação financeira pode indicar pagamento de propina, dado o contexto e o timing próximo à regularização da posse.

Além das movimentações financeiras, os documentos consultados pelo Intercept detalham episódios de violência contra os extrativistas do acampamento. Entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024, moradores relataram disparos e ameaças. Um policial penal do Acre teria realizado depósitos irregulares à família Zamora, levantando suspeita de atuação de milícia privada.

O Intercept informa que os extrativistas relatam intimidações diretas e que a PF acompanha as suspeitas de envolvimento de agentes públicos em ações de proteção da propriedade pelos Zamora.

Sidney Zamora Filho chegou a ter prisão preventiva decretada, mas permaneceu foragido por dois meses antes de ter a prisão substituída por medidas cautelares, incluindo monitoramento por tornozeleira eletrônica.

Foto postada por Sidney Zamora Filho, com o pai Sidnei Zamora, em sua conta no Instagram no dia 18 de outubro de 2022. Foto: Instagram/Reprodução

O histórico da posse da Fazenda Palotina também evidencia disputas legais e tentativas de burlar decisões judiciais. A área integra o antigo Seringal Natal, cuja documentação original é deficiente, e já teve registros cancelados em 1983 e 2001, após recomendações da CPI da Ocupação de Terras Públicas na Amazônia. Segundo a PF, o fracionamento de pedidos de regularização em nome de terceiros indica “esquema de grilagem sofisticado”, com o objetivo de legitimar a ocupação irregular.

O advogado da família, Marcelo Zamora, afirmou ao Intercept Brasil que “todos os negócios praticados pela família Zamora são legítimos, declarados e legais” e que as investigações “não têm conclusão”. Ele nega qualquer uso de violência contra os sem-terra e classifica a prisão de Zamora Filho como “desproporcional”.

A investigação também aponta envolvimento de agentes públicos, como policiais e ex-delegados da Polícia Federal, na proteção e defesa dos interesses da família. Entre eles, Mauro Sposito, delegado aposentado, é citado por moradores do acampamento como intermediário de ameaças e ações contra extrativistas. A correição do Judiciário do Amazonas identificou irregularidades nos registros da propriedade, reforçando o caráter questionável da posse da Fazenda Palotina.

A história da família Zamora, segundo o Intercept Brasil, revela não apenas o uso do aparato estatal em favor de interesses privados, mas também a vulnerabilidade de comunidades extrativistas e a persistência de conflitos fundiários e ambientais na Amazônia.

Leia a reportagem completa “O raio-x de um latifúndio: a reportagem que latifundiários da Amazônia não querem que você leia”, de Leonardo Fuhrman, publicada em 30 de setembro.

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