Kits com mosquitos geneticamente modificados chegaram vencidos e não foram repostos, atrasando ações emergenciais; casos de dengue aumentam 600% na capital.
A Prefeitura de Rio Branco instaurou um processo administrativo para apurar falhas na execução de um contrato de R$ 4,5 milhões destinado ao combate à dengue. A medida foi tomada após a constatação de que parte dos kits do projeto “Aedes do Bem”, que utiliza mosquitos geneticamente modificados para conter o Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya, chegou vencida e não foi substituída pela empresa fornecedora.
Segundo a nota oficial divulgada pela Secretaria Municipal de Saúde, nessa terça-feira (6), o contrato (nº 01100206/2024) foi firmado em caráter emergencial com a empresa Estação da Limpeza Comércio Atacadista e Varejo Ltda. e previa entregas parceladas. No entanto, todo o material foi enviado de uma só vez, em julho de 2024. Parte dos kits estava fora do prazo de validade, e o restante próximo do vencimento, o que inviabilizou o uso.
Mesmo após acordo para substituição dos produtos sem custos adicionais, a empresa não cumpriu o combinado. A prefeitura decidiu então abrir processo administrativo e encaminhar o caso aos órgãos de controle.
CPI e questionamentos sobre licitação
O caso já havia gerado polêmica na Câmara de Vereadores, onde a oposição tentava criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a compra dos 16,2 mil kits, realizada sem licitação por quase R$ 5 milhões em junho de 2024. Vereadores alegam que o material nunca foi utilizado e questionam o preço pago por unidade (cerca de R$ 300), superior ao valor de mercado.
O vereador André Kamai (PT) protocolou pedidos de investigação no Ministério Público do Acre (MPAC) e no Tribunal de Contas do Estado (TCE-AC), alegando possível superfaturamento e falta de transparência. Kamai destacou que a compra foi feita em apenas 38 dias, com dispensa de licitação sob alegação de “inexigibilidade”, argumento questionado por haver outros fornecedores do produto.
Além disso, segundo o parlamentar, a empresa contratada não fabrica os mosquitos (desenvolvidos pela empresa britânica Oxitec), e já está sob investigação por superfaturamento em Aparecida de Goiânia (GO), onde um contrato semelhante foi suspenso pelo MP local.
“Não houve transparência. Pagaram R$ 4,5 milhões à vista, em pleno julho, quando não havia epidemia de dengue, e o material chegou vencido. O prefeito precisa explicar essa compra”, afirmou Kamai ao MPAC
Outros vereadores, como Eber Machado (MDB), também apontaram sobrepreço: ele afirma ter adquirido o mesmo produto por R$ 256, abaixo dos R$ 280 pagos pela prefeitura.
Cinco parlamentares já assinaram o pedido de instalação da CPI, que ainda precisa de mais duas assinaturas para ser aberta.
Impactos
As falhas na entrega atrasaram a implantação do projeto Aedes do Bem, prejudicando o plano emergencial de combate às arboviroses. Segundo o secretário municipal de Saúde, Rennan Biths, o cronograma está sendo refeito, já que os mosquitos têm validade inferior a 60 dias e exigem planejamento técnico rigoroso.
Enquanto isso, a prefeitura intensificou medidas tradicionais, como ações de limpeza, controle de focos e monitoramento por meio do Índice de Infestação Predial (Lyra).

Epidemia se agrava e emergência é prorrogada
A crise sanitária se intensificou em 2025, com aumento de 600% nos casos graves de dengue em Rio Branco. Até o último sábado (3), foram registrados 21 pacientes em estado crítico, contra apenas três no mesmo período de 2024.
Diante da escalada, o município prorrogou por mais 90 dias o decreto de emergência em vigor desde janeiro. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) na segunda-feira (5), com efeitos retroativos a 28 de abril, com base em parecer técnico da Vigilância em Saúde.
Segundo dados oficiais:
- Foram registrados 3.290 casos prováveis de dengue entre janeiro e maio de 2025 (semanas 1 a 18), um aumento de 333% em relação ao mesmo período de 2024.
- As Uraps estão superlotadas, com risco elevado para crianças, idosos e gestantes.
As análises técnicas apontam que as chuvas intensificaram a proliferação do Aedes aegypti, enquanto a demanda por atendimento pressiona o sistema de saúde. A prefeitura afirma que o decreto permite acelerar contratações e captar recursos federais.
Além disso, o Ministério da Saúde incluiu Rio Branco entre as 80 cidades prioritárias para receber apoio da Força Nacional do SUS. Estão previstas a instalação de centros de hidratação emergenciais e o envio de reforços para o enfrentamento da dengue.
A Secretaria Municipal de Saúde promete ampliar mutirões de limpeza e campanhas de conscientização, enquanto busca responsabilizar a empresa fornecedora e recuperar os prejuízos causados pela falha no fornecimento dos kits.