Negociações avançam na COP30 mas impasses sobre financiamento e metas de emissão permanecem

Países registram progressos pontuais, porém esbarram em disputas sobre responsabilidades e prazos para enfrentar a crise climática.

A primeira semana da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) termina em Belém sob expectativa crescente por avanços concretos. Representantes de 194 países trabalham neste sábado (15) no fechamento dos textos que serão analisados por ministros de alto escalão na próxima semana, etapa em que se definem os possíveis acordos finais.

O clima é de urgência. Financiamento climático, parâmetros de adaptação e mecanismos para monitorar metas de redução de emissões concentram os maiores conflitos. Apesar de algum movimento nas negociações, especialistas apontam que a evolução ainda está distante do ritmo necessário para conter o aquecimento global dentro do limite de 1,5 grau Celsius, previsto no Acordo de Paris.

Entre os temas destacados nas consultas informais da semana está o artigo 9.1 do Acordo de Paris. O dispositivo estabelece a obrigação de que países desenvolvidos garantam financiamento para ações climáticas nos países em desenvolvimento. Na conferência anterior, a COP29, ficou definido o repasse de 300 bilhões de dólares anuais. O valor foi considerado insuficiente pelas delegações.

As presidências da COP29 e da COP30 chegaram a apresentar uma proposta mais ambiciosa, sugerindo mobilizar até 1,3 trilhão de dólares ao ano para impulsionar a transição climática. Ainda assim, não há expectativa concreta de que esse compromisso avance nesta edição da conferência. Divergências sobre responsabilidades históricas e distribuição dos recursos continuam travando o debate.

Outro tema que move disputas é o relatório-síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Esses documentos reúnem as metas de mitigação que cada país se compromete a adotar. O conjunto atual é considerado tímido por cientistas. Para manter o aquecimento global dentro do limite seguro, seria necessário reduzir as emissões em 5% ao ano, começando imediatamente.

No entanto, a projeção indica que as emissões podem crescer 1% em 2025 em relação a 2024. Nessa trajetória, a temperatura média do planeta ultrapassaria não apenas 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, mas avançaria para além dos 2 graus, cenário classificado como catastrófico.

O cientista sueco Johan Rockström, do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático, alertou que a lacuna entre metas e realidade exige ação urgente.

“A lacuna não pode continuar como está, acreditando que isso é algo que pode ocorrer lenta e linearmente, quando na realidade é preciso avançar muito, muito rápido. Em primeiro lugar, é preciso seguir a ciência em termos do que precisa acontecer ano a ano. Assim, no próximo ano, as emissões globais precisam passar de um aumento de 1%, que é a projeção atual para 2025, para uma redução de 5% no próximo ano”, enfatizou o cientista.

Na avaliação de Rockström, isso representa retirar 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono da economia global. O cientista e outros pesquisadores, entre eles o climatologista brasileiro Carlos Nobre, divulgaram uma carta com alertas aos negociadores e à sociedade civil.

Ricarda Winkelmann, diretora do Instituto Max Planck de Geoantropologia, ressaltou que o planeta já opera em um regime alterado pelo aquecimento. Ela afirmou que eventos extremos serão mais frequentes e intensos, com efeitos cumulativos em diferentes regiões, impactando milhões de pessoas. Para ilustrar, citou que as crianças de hoje enfrentarão ondas de calor seis vezes mais intensas do que seus avós.

“Já alteramos as regras com o aquecimento global, o que significa que, num futuro próximo, veremos um aumento na frequência de eventos extremos, bem como na intensidade e persistência, podendo inclusive levar a efeitos cumulativos. Ou seja, múltiplos eventos extremos atingindo diferentes locais simultaneamente, o que pode impactar pessoas em todo o mundo. E só para dar um exemplo, espera-se que nossas crianças enfrentem ondas de calor seis vezes maiores do que seus avós”, apontou Ricarda Winkelmann, diretora do Instituto Max Planck de Geoantropologia, na Alemanha.

Avanços na transição energética ganham corpo

Organizações da sociedade civil presentes em Belém identificam avanços no debate sobre combustíveis fósseis. Uma articulação inédita de países começou a se formar ao longo da semana, defendendo uma sinalização política mais firme para a transição energética.

Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, afirmou que começa a surgir uma coalizão capaz de dar maior clareza aos caminhos esperados para abandonar carvão, petróleo e gás. “Começou a nascer uma coalizão de países que não existia na semana passada, que está fazendo emergir essa ideia da sinalização política, justamente dos mapas do caminho da transição. Então isso é muito bom”, disse.

O WWF-Brasil, organização ambiental internacional, também avaliou positivamente o reconhecimento da urgência de proteger florestas tropicais e consolidar ações de longo prazo.

“Vimos avanços no debate sobre a transição energética, no reconhecimento da urgência de proteger florestas tropicais e na consolidação dessa visão de longo prazo. O desafio agora é transformar esse impulso inicial em decisões claras e coerentes, capazes de orientar uma ambição real até o fim da conferência”, apontou Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, em tom otimista.

Na análise de André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, as negociações avançaram com ritmo significativo. Ele destacou que, embora países como a Arábia Saudita continuem resistentes, o Brasil levou à mesa a proposta de reduzir o uso de combustíveis fósseis e recebeu apoio de ao menos 23 países, entre eles Reino Unido, Alemanha, membros da União Europeia e Colômbia.

Adaptação permanece como o principal impasse

Se a mitigação avançou, a adaptação continua enfrentando entraves. A Meta Global de Adaptação, compromisso firmado no Acordo de Paris em 2015, depende da definição de 100 indicadores para medir a resiliência climática. Esses indicadores orientariam se os países estão de fato se preparando para minimizar impactos de enchentes, secas e outros desastres associados às mudanças climáticas.

O Grupo Africano, que reúne 54 países, defende estender o trabalho técnico até 2027, o que adiaria a decisão final. A proposta preocupa delegações e especialistas porque atrasaria ações justamente em um campo considerado urgente.

Os episódios extremos registrados recentemente no Brasil, como as enchentes no Rio Grande do Sul e no Paraná, evidenciam a necessidade de respostas imediatas.

A Conservação Internacional, organização global de proteção ambiental, alertou que atrasos podem desacelerar investimentos e prejudicar soluções baseadas na natureza. Florence Laloë, diretora de políticas climáticas da entidade, afirmou que a exclusão prática dessas soluções dos mecanismos internacionais pode reduzir recursos destinados à proteção de ecossistemas essenciais e das comunidades que dependem deles.

Expectativa por decisões políticas mais claras

Com o fim da etapa técnica, a conferência entra agora na fase política, quando ministros assumem a responsabilidade de fechar as decisões mais difíceis. A expectativa é de que os avanços observados na transição energética se convertam em compromissos tangíveis.

Ao mesmo tempo, os alertas da comunidade científica e os impasses em adaptação mostram que não há margem para respostas parciais. A segunda semana da COP30 será decisiva para definir se a conferência avançará rumo a uma ação climática compatível com a urgência global, ou se a distância entre discurso e realidade continuará a se ampliar.

Com informações da Agência Brasil.

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