Ministro diz que tentativas de pressionar o Supremo são parte de “modus operandi golpista” e reforça soberania das instituições brasileiras.
Durante a cerimônia de reabertura do semestre do Judiciário, nesta sexta-feira (1º), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez sua primeira manifestação pública após ter sido alvo de sanções do governo dos Estados Unidos. Em um discurso firme, Moraes afirmou que a Corte “não irá se envergar a ameaças covardes e infrutíferas” e garantiu que as investigações e julgamentos em curso não sofrerão qualquer interferência por conta da medida adotada pelos norte-americanos.
“As ações prosseguirão. O rito processual do STF não se adiantará, não se atrasará. Irá ignorar as sanções praticadas. Esse relator vai ignorar as sanções que lhe foram aplicadas e continuar trabalhando, como vem fazendo, no plenário, na Primeira Turma, sempre de forma colegiada”, disse Moraes, relator das ações penais que apuram a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
O ministro também reafirmou o compromisso do STF em cumprir sua missão constitucional. “Esta Corte vem e continuará realizando sua missão. Em especial, neste segundo semestre, realizará os julgamentos e as conclusões dos quatro núcleos das importantes ações penais relacionadas à tentativa de golpe”, declarou.
A fala de Moraes foi feita em meio ao apoio público do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e do decano Gilmar Mendes, que defenderam o colega diante da medida adotada pelos EUA com base na Lei Magnitsky, legislação que, originalmente, pune estrangeiros por envolvimento com corrupção e violações de direitos humanos.
“Não estão lidando com milicianos”
Em tom duro, Moraes rebateu a iniciativa do governo norte-americano e a atuação de brasileiros que, no exterior, têm pressionado por medidas contra o STF.
“Acham que estão lidando com pessoas da laia deles. Acham que estão falando também com milicianos. Mas não estão, estão falando com ministros da Suprema Corte brasileira.”
O ministro não citou nomes, mas fez referência a políticos investigados ou processados, como o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos Estados Unidos desde fevereiro e declarou atuar junto a autoridades americanas por sanções contra o Supremo.
Pressão externa e tentativa de obstrução
Relator dos processos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus acusados de liderar uma trama golpista, Moraes alertou para pressões que classificou como “espúrias” e inconstitucionais.
“Não é possível pressões, coações, no sentido de querer obter um espúrio arquivamento imediato dessas ações penais sob pena de se prejudicar a economia brasileira”, disse.
Para o ministro, tais iniciativas fazem parte de uma tentativa de obstruir a Justiça por parte de brasileiros “supostamente patriotas” que agem em nome de interesses estrangeiros, com o objetivo de garantir a impunidade de envolvidos nos atos golpistas.
A perpetuação do golpe
Na avaliação de Moraes, o que se observa é uma continuidade do projeto golpista que culminou nos ataques às instituições em janeiro de 2023.
“Ameaças aos presidentes das casas congressuais brasileiras sem o menor respeito institucional, sem o menor pudor, na explícita chantagem para tentar obter uma inconstitucional anistia ou um início de procedimento de impeachment contra ministros desta Suprema Corte.”
Segundo ele, as ações são parte de um “modus operandi golpista” que visa enfraquecer as instituições democráticas, provocar instabilidade e tentar interferir na atuação do Supremo por meios ilegítimos.
Organização criminosa e “pseudopatriotas”
Moraes também criticou duramente a atuação de grupos organizados fora do país, que, segundo ele, agem como uma “organização criminosa covarde e traiçoeira” para submeter o STF ao julgamento de um Estado estrangeiro.
O ministro comparou esses grupos a milícias e voltou a criticar os projetos de anistia em tramitação no Congresso Nacional.
“Temos visto condutas dolosas e conscientes de uma organização criminosa que tenta submeter o funcionamento do STF ao crivo de autoridade estrangeira”, declarou.
Ele ainda apontou que muitas dessas ações são movidas por “pseudopatriotas que não tiveram coragem de permanecer no país”. Embora não tenha citado diretamente, a fala foi interpretada como uma referência ao deputado Eduardo Bolsonaro.
“Mais do que ataques criminosos, o que se observa são condutas ilícitas e imorais”, completou.
Defesa da soberania nacional
Ao final do pronunciamento, Moraes reforçou que o Supremo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal (PF) manterão sua atuação independente, apesar das pressões.
“A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida. É um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.”
O ministro ainda alertou para as consequências econômicas e sociais que podem advir da atuação desses grupos: “O modus operandi é o mesmo: incentivo a taxações ao Brasil, incentivo à crise econômica, que gera crise social, que por sua vez gera crise política, para que novamente haja uma instabilidade social e possibilidade de um novo ataque golpista”.
Sanções sob a Lei Magnitsky
As sanções contra Alexandre de Moraes foram anunciadas pelo Departamento de Estado dos EUA no início da semana, com base na chamada Lei Magnitsky. A legislação permite a punição de estrangeiros por envolvimento em corrupção e violações de direitos humanos, mas, no caso de Moraes, as motivações foram políticas.
É a primeira vez que um brasileiro — e um ministro da Suprema Corte — é sancionado com base nessa norma. As medidas incluem bloqueio de bens e proibição de transações financeiras no sistema americano.
A decisão gerou reação imediata do governo brasileiro e de figuras do Judiciário. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou nota de repúdio e se reuniu com ministros do STF para articular uma resposta.
O presidente da Corte, Barroso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e parlamentares como Rodrigo Pacheco também manifestaram apoio a Moraes.