Ministra Nancy Andrighi vota pela condenação de Gladson Camelí a 25 anos de prisão e perda imediata do cargo

Julgamento foi suspenso após pedido de vista no STJ e só deve ser retomado em 2026; relatora apontou Cameli como chefe de esquema de corrupção e desvio de recursos públicos.

A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi votou nesta quarta-feira (17) pela condenação do governador do Acre, Gladson Camelí (PP), a 25 anos e 9 meses de prisão. O voto foi proferido durante sessão da Corte Especial, no julgamento da Operação Ptolomeu.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha, que pode permanecer com o processo por até 90 dias.

Até o momento, apenas a relatora se manifestou. No voto, Nancy Andrighi defendeu a condenação de Cameli em regime inicial fechado, além da perda do cargo de governador, pagamento de multa e indenização de R$ 11 milhões aos cofres públicos.

O governador é acusado de desvios de dinheiro público, fraude em licitações, lavagem de capitais, corrupção passiva majorada, peculato, dispensa ilegal de licitação e liderança de organização criminosa.

No voto, a ministra acolheu integralmente a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que aponta Gladson Cameli como líder de um esquema criminoso instalado no governo estadual.

Segundo Andrighi, ficou comprovado que Cameíi comandou uma organização criminosa estruturada em núcleos e camadas, com atuação voltada à fraude em licitações e ao direcionamento de contratos públicos.

“Restou comprovado que a organização é dividida em camadas e utiliza-se de pessoas jurídicas com objetivo de firmar contratos maculados com fraudes de sobrepreço e superfaturamento”, afirmou Andrighi.

Em outro trecho, a relatora destacou que “Gladson e seu irmão, Gledson, arquitetaram esquema para contratação fraudulenta de sociedades empresárias vinculadas a Gledson para prestação de serviços de alto custo no Acre”.

De acordo com o voto, o direcionamento de recursos públicos teria ocorrido por meio da contratação indireta da Construtora Rio Negro, empresa cujo quadro societário era composto por Gledson Cameli, para execução de serviços ligados a contratos firmados pelo governo estadual. Para a ministra, o contrato era utilizado para desviar recursos públicos e lavar dinheiro.

“Dos R$ 17 milhões pagos à Murano, R$ 11 milhões correspondem ao objeto totalmente estranho ao contratado, em claro desvirtuamento do princípio da economicidade”, afirmou a ministra.

Nancy Andrighi ressaltou ainda que Cameli indicava pessoas de sua confiança para cargos estratégicos, especialmente na Secretaria de Infraestrutura do Acre (Seinfra), com o objetivo de garantir que obras e reformas fossem aprovadas mesmo diante de irregularidades.

A relatora também citou provas obtidas a partir da análise de aparelhos eletrônicos apreendidos durante as investigações.

“No citado aparelho eletrônico, foi localizada planilha com os tratos de pagamento do apartamento, emitido pela empresa, bem como comprovante de transferência bancária efetuada em favor da imobiliária”, declarou.

Com o pedido de vista, o julgamento permanece sem data para retomada. Como os prazos ficam suspensos durante o recesso do Judiciário, que começa no sábado (20), a expectativa é que retorne no final do primeiro trimestre de 2026.

Dosimetria das penas

Durante a fase de dosimetria, a relatora detalhou as condenações por cada crime. Pelo crime de organização criminosa, a pena-base foi fixada em 4 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto, além de multa. Para o crime de peculato, Cameli foi condenado a 2 anos e 8 meses de reclusão.

No caso da lavagem de dinheiro, a ministra aplicou pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime semiaberto, considerando o aumento de dois terços em razão da gravidade e da reiteração das infrações.

Já pelas condenações relacionadas à corrupção e às fraudes em licitação, houve novo aumento das penas, resultando em uma pena máxima individual de 7 anos e 1 mês de reclusão, também em regime semiaberto.

Ao final da soma das condenações, Nancy Andrighi fixou a pena definitiva em 25 anos e 9 meses de prisão, com início em regime fechado, além da perda do cargo público.

STF discute validade de provas

Paralelamente ao julgamento no STJ, parte das provas utilizadas na investigação contra o governador está sob análise da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Em habeas corpus apresentado pela defesa, já há maioria formada para anular provas produzidas entre maio de 2020 e janeiro de 2021. O julgamento ocorre em sessão virtual e termina na sexta-feira, 19 de dezembro.

A decisão do STF não implica o trancamento da ação penal, mas prevê a invalidação das provas produzidas no período questionado e de todos os elementos delas derivados. A defesa sustenta que todo o processo se baseia em uma investigação ilícita.

O Ministério Público Federal (MPF), por sua vez, argumenta que apenas parte do material foi anulada e que esses elementos não foram utilizados para fundamentar a acusação.

Nancy Andrighi rejeitou o argumento defensivo e afirmou que a maioria formada no STF não interfere no julgamento da ação penal no STJ. Segundo a relatora, apenas relatórios de inteligência financeira referentes a alvos próximos ao governador foram anulados, por usurpação de competência, já que foram requisitados quando a investigação tramitava no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, instância sem competência para processar governadores.

O que diz a denúncia

A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) aponta Gladson CamelÍ como líder de uma organização criminosa formada por núcleos político, familiar e empresarial.

Segundo a acusação, o grupo operava um esquema de contratação fraudulenta de empresas ligadas ao irmão do governador, com superfaturamento e desvio de verbas públicas.

As investigações indicam que o esquema teria começado em 2019 e causado prejuízo superior a R$ 16 milhões aos cofres públicos. Os desvios estão relacionados principalmente a fraudes na licitação que resultou na contratação da empresa Murano Construções Ltda para obras de engenharia viária e edificações no estado.

O caso foi revelado pela Operação Ptolomeu.

A denúncia contra Cameli foi recebida em maio de 2024. As acusações contra outras 12 pessoas foram desmembradas e remetidas à primeira instância.

Manifestação do MPF

Durante o julgamento, o vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand, afirmou que há “prova farta” de que os recursos desviados foram revertidos em benefício direto dos integrantes do esquema.

“Quanto à participação do governador, são vários os fatos que demonstram se já não bastasse seu envolvimento direto no negócio da empresa do irmão, afirmou.

Segundo ele, a participação do governador ficou demonstrada por diversos fatos, incluindo o envolvimento direto com negócios da empresa do irmão.

Chateaubriand também destacou que Cameli indicou pessoas de sua confiança para cargos estratégicos na Secretaria de Infraestrutura, responsável pela assinatura do contrato com a Murano, e que participou de forma incomum em atos ligados à execução do contrato.

“Ele escolheu pessoas próximas a si e de sua confiança para cargo na secretária de infraestrutura, pois era a responsável pela assinatura do contrato com a Murano. Ele participou de forma absolutamente incomum em atos corriqueiros que envolviam a execução desse contrato”.

O vice-procurador ressaltou ainda que o STJ já rejeitou preliminares levantadas pela defesa, como alegações de usurpação de competência e ilegalidade na requisição de relatórios ao Coaf.

Argumentos da defesa

Na tribuna, a defesa do governador contestou a tipificação das condutas imputadas pela acusação. O advogado José Eduardo Cardozo afirmou que houve confusão conceitual ao tratar de registro de preços como se fosse dispensa ou inexigibilidade de licitação. “Registro de preço não é inelegibilidade ou dispensa de licitação”, afirmou.

Cardozo também negou a existência de subcontratação irregular da empresa do irmão do governador, sustentando que a Construtora Rio Negro teria sido contratada apenas para atividades instrumentais, como fornecimento de mão de obra.

Outro advogado da defesa, Francisco Felippe Lebrão, argumentou que não ficou comprovado que Cameli interferia nos contratos da Secretaria de Infraestrutura. Segundo ele, a acusação não demonstrou solicitação de vantagem indevida nem a existência de uma organização criminosa. “Associa-se equivocadamente a estrutura de governo e laços familiares como se isso fosse automaticamente uma organização criminosa”, disse.

A defesa também alegou cerceamento, ao afirmar que o Coaf juntou documentos ao processo na véspera do julgamento, sem tempo hábil para análise. O envio das informações foi determinado em novembro pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, após pedido dos advogados.

Outro argumento apresentado foi o de que a investigação deveria ser anulada desde a origem, por ter sido conduzida pela Polícia Federal sem autorização prévia do STJ, foro competente para processar governadores.

Histórico do processo

O STJ aceitou a denúncia e tornou Gladson Camelí réu em 15 de maio de 2024. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), o governador é o líder do esquema de corrupção investigado. Em 5 de novembro de 2024, Camelí prestou depoimento à Justiça e negou todas as acusações.

Com a suspensão do julgamento, Gladson pode não estar mais no cargo quando o processo voltar à pauta. O governador deve deixar o governo no fim de março para disputar uma das vagas ao Senado pelo Acre. Pesquisa Real Time Big Data, realizada entre 11 e 12 de dezembro de 2025, aponta Cameli na liderança em todos os cenários testados.

A defesa do governador, representada pelo advogado José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff, afirmou que eventual condenação pode ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento de nulidades processuais.

O desfecho do caso agora depende dos votos dos demais ministros do STJ, quando o julgamento for retomado. Para que a condenação seja confirmada, é necessária a formação de maioria.

A defesa do governador ainda poderá apresentar recursos, caso o entendimento da relatora prevaleça. Gladson Cameli acompanha o julgamento como réu e, até a conclusão do processo.

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