Autorização acende alerta entre ambientalistas e cientistas que veem retrocesso nas metas climáticas do Brasil; Foz do Amazonas é rica em biodiversidade, com presença de corais e extensas áreas de mangues.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu, nesta segunda-feira (20), a licença que autoriza a Petrobras a realizar perfuração exploratória em alto-mar na Bacia da Foz do Amazonas.
O bloco FZA-M-59, situado a cerca de 500 quilômetros da foz do rio e 175 quilômetros da costa do Amapá, integra a chamada Margem Equatorial, uma extensa faixa marítima que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte e é apontada como o novo “pré-sal brasileiro” pela alta possibilidade de reservas de petróleo e gás natural.
A autorização encerra um processo de licenciamento que se arrastava desde 2014 e acende um intenso debate ambiental e político às vésperas da COP30, que será realizada em novembro, em Belém (PA). Ambientalistas, cientistas e organizações da sociedade civil classificam a liberação como um retrocesso climático e uma ameaça à biodiversidade da Amazônia.

O que foi autorizado
A licença concedida pelo Ibama permite à Petrobras realizar a perfuração de um poço exploratório, etapa destinada apenas a confirmar se há petróleo na região. Caso a presença de reservas seja comprovada, a empresa ainda precisará de uma nova licença ambiental para iniciar a extração.
De acordo com o órgão ambiental, a decisão veio após “aperfeiçoamentos significativos” no projeto original da Petrobras, que teve o pedido indeferido em 2023.
Entre as medidas exigidas, estão a criação de um Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) em Oiapoque (AP), o reforço das estruturas de emergência com embarcações dedicadas ao resgate de fauna e novos protocolos de resposta a acidentes.
O Ibama afirmou que as exigências adicionais “foram fundamentais para a viabilização ambiental do empreendimento, considerando as características excepcionais da região”.
Uma região sensível
A Margem Equatorial é considerada uma das áreas marítimas mais promissoras do país para novas descobertas de petróleo. O Ministério de Minas e Energia defende que a exploração é essencial para garantir a soberania energética do Brasil, argumentando que o país poderia se tornar dependente de importações de petróleo a partir de 2030 se não investir em novas frentes de exploração.
Por outro lado, a região também é reconhecida por sua alta sensibilidade ecológica. A Foz do Amazonas abriga o maior cinturão contínuo de manguezais do planeta, recifes de corais recentemente descobertos e áreas de reprodução de diversas espécies marinhas.
Um eventual derramamento de óleo poderia ter efeitos devastadores sobre esse ecossistema e comprometer atividades econômicas fundamentais, como a pesca artesanal, que sustenta milhares de famílias no Amapá e no Pará.
Especialistas destacam que, em caso de acidente, a base de resgate da Petrobras em Oiapoque fica a 12 horas de distância da área de perfuração, tempo considerado insuficiente para conter danos irreversíveis à fauna e aos corais.
Críticas e pressões políticas
A decisão do Ibama ocorre após meses de pressões políticas vindas de setores do governo e de lideranças regionais. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, foram alguns dos principais defensores da liberação. Ambos argumentam que a exploração é “estratégica” e que o Brasil “não pode abrir mão de conhecer seu potencial energético”.
No Congresso, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) celebrou a medida como um “passo histórico para o desenvolvimento do Amapá”, enquanto o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo, também se manifestou favorável à decisão.
Já organizações socioambientais classificaram o ato como “uma sabotagem à COP30”. Em nota, o Observatório do Clima, que reúne 130 organizações ambientalistas que atuam no país, afirmou que a decisão “vai na contramão do papel de líder climático que o presidente Lula reivindica no cenário internacional” e anunciou que vai à Justiça para contestar o licenciamento.
Mariana Andrade, coordenadora do GreenPeace Brasil, afirma que a região é sensível e deveria ser preservada.
“Essa é uma região muito rica em biodiversidade e muito sensível. Ali tem sistemas recifais, tem manguezais e tem comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, que dependem da Amazônia costeira pra sobreviver. Enquanto o mundo se volta pra Amazônia em busca de soluções pra crise climática, a gente vê essa licença sendo concedida pra abertura de mais um posto de petróleo, no coração do planeta. Ao mesmo tempo que o Brasil se diz liderando a transição energética, investe numa dependência dos combustíveis fósseis. O que não faz nenhum sentido”.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também criticou a medida, dizendo que ela “ignora a voz e os direitos dos povos indígenas, guardiões da floresta e do equilíbrio climático do planeta”.
O Observatório do Clima afirma que a decisão vai contra o esforço de manter o aquecimento global estável para impedir o agravamento das mudanças climáticas.
Risco climático
O licenciamento ocorre em um momento de alerta global sobre o aquecimento do planeta. Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a temperatura média da Terra já ultrapassou o limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, patamar que ameaça ecossistemas inteiros, incluindo a própria floresta amazônica.
Para o climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, a decisão “contraria completamente o esforço global de transição energética”. “Não há justificativa para qualquer nova exploração de petróleo. Precisamos reduzir, não expandir, a produção de combustíveis fósseis”, afirmou.
O físico Paulo Artaxo, integrante do IPCC, fez avaliação semelhante. “Abrir novas áreas de produção de petróleo vai agravar ainda mais a crise climática e contraria o interesse do povo brasileiro. O país tem potencial para se tornar uma potência em energia solar e eólica”.
Próximos passos
Com a licença em mãos, a Petrobras deve iniciar ainda neste mês a perfuração do poço exploratório batizado de Morpho, nome inspirado em uma espécie de borboleta-azul amazônica. O trabalho está previsto para durar cinco meses.
O resultado dessa perfuração definirá o futuro da exploração na região — e pode abrir caminho para outros 27 blocos que aguardam licenciamento na Bacia da Foz do Amazonas.