Entre tapumes e silêncio: o Novo Mercado Velho sem o olhar do rio

Com a cheia histórica em março de 2024, que provocou deslizamentos de terra e resultou na interdição da passarela Joaquim Macedo, o que antes era um ponto de encontro se tornou um local de silêncio e abandono. O desmoronamento das margens alterou a paisagem, na calçada onde antes havia movimento, restam apenas tapumes que cortam a vista e afastam as pessoas. O rio ainda está ali, mas já não se pode vê-lo.

Em outros tempos, o Novo Mercado Velho, no coração de Rio Branco, era sinônimo de tradição e encontro. Turistas descobriam a cidade enquanto registravam as estátuas de bronze, famílias saboreavam uma boa comida caseira ou um café pingado, e amigos se reuniam ao entardecer para um happy hour, contemplando a paisagem do Rio Acre. Hoje, o cenário é outro. O espaço que pulsava com a cultura e identidade acreana está vazio.

Alzira Apolinário, a “Mãenzinha”, dona de um pequeno restaurante no local lamenta a situação. Foto: Juan Diaz/Proa

Os comerciantes sentem o impacto. “Não tem mais visita. O movimento no mercado caiu em mais de 80%. Estamos totalmente abandonados, as autoridades não estão ligando para nós aqui dentro”, lamenta Alzira Apolinário, a “Mãenzinha”, dona de um pequeno restaurante no local.

O Novo Mercado Velho carrega a história de Rio Branco. Sua primeira estrutura, erguida em 1929, foi um marco na urbanização da capital acreana. Com o passar dos anos, o abandono e a degradação levaram a uma ampla revitalização em 2006, durante o governo de Jorge Viana. A transformação trouxe novos ares ao local, tornando-o um dos principais pontos turísticos da cidade, abrigando restaurantes, bares e lojas de artesanato. Mas a recente tragédia natural expõe fragilidades e levanta questionamentos sobre o futuro do espaço.

Joel José Pereira, comerciante de 64 anos, trabalha no mercado desde a revitalização. Foto: Juan Diaz/Proa

Joel José Pereira, comerciante de 64 anos, trabalha no mercado desde a revitalização e relata os desafios que enfrenta com essa nova realidade. “Fomos muito prejudicados com tudo isso. A beira do rio era cheia de bares e fechou tudo. No meu estabelecimento, tive que demitir toda a equipe da noite, cerca de 12 pessoas. São famílias inteiras prejudicadas porque não tive como segurar”, desabafa.

Mais que um ponto comercial, o mercado sempre foi um espaço de contemplação. O Rio Acre, companheiro constante, refletia as mudanças da cidade, e quem chegava ali inevitavelmente se demorava, vendo o tempo passar ao ritmo das águas. Agora, a ausência do rio pesa. Os tapumes ergueram uma barreira entre os riobranquenses e aquilo que sempre os conectou à cidade.

“Muita gente vinha aqui só pra olhar o rio, admirar o pôr do sol. Agora, vão olhar o quê?”, questiona “Mãenzinha”. “Antes, três horas da tarde o mercado lotava de famílias que vinham olhar o rio. Agora, está esquecido”, lamenta Joel.

Enquanto as autoridades discutem soluções, dona Alzira segue firme, recebendo quem chega com o mesmo sorriso de sempre e um prato de comida quente. “Quando vão fazer reportagem aqui, dizem que o mercado está caindo, mas não é verdade. O que está caindo é o calçadão. As pessoas ligam querendo saber se o mercado está aberto, e nós estamos aqui, de domingo a domingo, servindo café e almoço todos os dias”, reforça, preocupada com a desinformação que pode afastar ainda mais os clientes.

“Fomos muito prejudicados com tudo isso. A beira do rio era cheia de bares e fechou tudo”, desabafa comerciante. Foto: Paulo Murilo/Proa

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