Discurso de Lula por transição justa dos fósseis contrasta com incentivo à exploração de petróleo na Amazônia

Durante a Cúpula do Clima em Belém, presidente falou em superar a dependência dos combustíveis fósseis, mas enfrenta críticas por autorizar novas perfurações na Foz do Amazonas.

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Cúpula do Clima em Belém, nesta quinta-feira (6), voltou a colocar sob os holofotes a contradição entre a retórica ambiental do governo e suas ações na área energética. Diante de líderes globais, Lula defendeu a necessidade de “mapas do caminho” para reverter o desmatamento, superar a dependência de combustíveis fósseis e mobilizar recursos para a transição climática.

“Acelerar a transição energética e proteger a natureza são as duas maneiras mais efetivas de conter o aquecimento global. Estou convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”, afirmou.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante discurso na abertura da Cúpula dos Líderes em Belém

O tom foi de urgência e compromisso, mas o conteúdo confronta decisões recentes de seu próprio governo, que abriu uma nova frente de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. A autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para que a Petrobras perfure um poço exploratório na Margem Equatorial foi concedida às vésperas da COP30 e recebeu duras críticas de ambientalistas.

Em outubro, durante viagem à Indonésia, Lula disse que o país não vai “jogar fora” a riqueza do combustível fóssil enquanto o mundo precisar dele.

A contradição ilustra um dos maiores dilemas da política ambiental brasileira. Enquanto o país se apresenta como liderança global na defesa do clima, mantém investimentos robustos em combustíveis fósseis e na expansão da Petrobras. A postura reflete uma tentativa de equilibrar a pressão internacional por uma economia verde com a busca por autonomia energética e geração de receitas.

Apesar do contraste entre discurso e prática, a fala de Lula mantém coerência com a posição oficial do Brasil nas negociações climáticas. O governo defende que a transição energética deve ser conduzida de forma “justa, ordenada e equitativa”, seguindo o entendimento firmado na COP28. A posição está na meta climática entregue pelo Brasil à ONU e tem sido defendida com veemência pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.

Para a comunidade científica, no entanto, o tempo de transições lentas já passou. Pesquisas alertam que o aquecimento global está se acelerando e que o corte drástico nas emissões de gases de efeito estufa, em grande parte provenientes da queima de petróleo, carvão e gás, é indispensável para evitar colapsos ambientais e humanitários.

Ao longo do discurso, Lula apelou pela superação das divergências entre países e por uma abordagem conjunta da crise climática. “Nós, líderes, podemos e devemos discutir tudo, para além dos muros da convenção”, afirmou. O tom conciliador e simbólico da fala foi bem recebido por parte da comunidade internacional.

Lula encerrou seu discurso lembrando uma crença Yanomami de que os humanos têm de sustentar o céu, para que ele não caia sobre a Terra.

“Essa perspectiva dá a medida da nossa responsabilidade perante o planeta, principalmente diante dos mais vulneráveis. Mas também reconhece que o poder de expandir horizontes está em nossas mãos. Temos que abraçar um novo modelo de desenvolvimento mais justo, resiliente e de baixo carbono. Espero que esta Cúpula contribua para empurrar o céu para cima e ampliar nossa visão para além do que enxergamos hoje.”

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