A carta final entregue à presidência da COP30 reúne demandas de povos e movimentos sociais e cobra decisões concretas sobre transição energética, desmatamento e justiça climática.
A Cúpula dos Povos Rumo à COP30 encerrou neste domingo (16), em Belém, uma semana marcada por marchas, assembleias, denúncias e reivindicações que tomaram as ruas e os rios da capital paraense.
O presidente Lula não esteve presente à cerimônia final, mas enviou uma mensagem lida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na qual reconheceu que a Conferência do Clima “não seria viável sem a participação de vocês, essa extraordinária concentração de pessoas que acreditam que outro mundo é possível e necessário”.
A fala sintetizou o clima político que dominou Belém ao longo da semana. Mobilizações de diferentes territórios do Brasil e do mundo pressionaram negociadores e governos às vésperas da fase mais crítica da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), que começa nesta segunda com a chegada de ministros responsáveis por buscar consenso sobre temas decisivos.
Entre eles, os indicadores da meta global de adaptação e o programa de transição justa seguem travados. Marina foi direta ao fim da leitura da carta enviada pelo presidente. “Não podemos sair de Belém sem decisões sobre a transição energética, o fim do desmatamento e a mobilização de recursos.”
Documento de maior unidade popular da COP30
A Cúpula dos Povos entregou ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago, uma carta política que resume as demandas de movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais e organizações de mais de 70 mil participantes, segundo os organizadores. O texto defende justiça climática, demarcação de territórios, transição energética justa e participação popular efetiva nas negociações climáticas.
O documento faz uma análise dura da conjuntura global. Afirma que “o avanço da extrema direita, do fascismo e das guerras ao redor do mundo exacerba a crise climática e a exploração da natureza e dos povos” e critica a atuação dos Estados Unidos na América Latina ao apontar que “o imperialismo segue ameaçando a soberania dos povos, criminalizando movimentos sociais e legitimando intervenções que historicamente serviram aos interesses privados na região”.
A carta lista 15 propostas, entre elas o fim da exploração de combustíveis fósseis, políticas de desmatamento zero, reformas agrárias distributivas, combate ao racismo ambiental e mecanismos internacionais que responsabilizem empresas transnacionais por violações ambientais e de direitos humanos.
Corrêa do Lago garantiu que o documento será apresentado na abertura da reunião ministerial da COP. Ao lado da diretora executiva da conferência, Ana Toni, reforçou que a participação social deverá ser considerada na construção das decisões finais da conferência.
O cacique Raoni Metuktire foi uma das lideranças mais aclamadas da cerimônia. Em sua fala, retomou alertas que carrega há décadas. “Há muito tempo venho alertando sobre aquilo que hoje estamos vivendo. Os rios estão secando, a chuva não vem, o ar está cada vez mais difícil de respirar. Se não tivermos consciência de defender o que resta dessa Terra, haverá um caos muito grande.” Ele pediu ações urgentes contra o desmatamento, o garimpo e os ataques aos povos originários.
Para os movimentos, o avanço político da Cúpula dos Povos é fruto de uma construção autônoma. Inicialmente, o governo pretendia criar uma COP Social, mas organizações recusaram a proposta e optaram por um processo independente. A cientista política Mareen Santos, representante do Grupo Carta de Belém e da FASE, avaliou a pressão popular como determinante. “Os movimentos sociais estão muito antenados. Vai ficar feio sair daqui sem nada nas mãos.”
A presença de ministros na cerimônia final trouxe anúncios considerados importantes pelos movimentos, ainda que vistos como obrigações legais. O secretário-geral da Presidência, Guilherme Boulos, afirmou que o governo fará consulta pública prévia e informada aos povos do Rio Tapajós antes de qualquer novo projeto de infraestrutura na região. A medida atende à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, instrumento que garante esse tipo de consulta e que há anos é cobrado por comunidades atingidas.
Boulos também disse que será criada uma mesa de diálogo para analisar demandas apresentadas por povos indígenas e comunidades tradicionais durante a COP30. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, celebrou o número recorde de 900 indígenas credenciados na Zona Azul. Para ela, essa presença é decisiva. “Nós não queremos só paridade, queremos ser a maior voz nos espaços de decisão.”
Marina Silva encerrou sua participação com um recado que mirou a política climática e a política institucional. “Não há nada grandioso que se possa fazer sem a participação da sociedade. O bom da democracia é que ela existe para que possamos dizer sim ou não. Mas tem coisas para as quais não tem como dizer não. Não tem como dizer não à ciência, à própria democracia e à verdade.”
União popular na rota da COP30
Ao longo de cinco dias, a Cúpula reuniu debates, plenárias e manifestações que circularam entre o campus da Universidade Federal do Pará, onde passaram cerca de 20 mil pessoas por dia, e diferentes pontos de Belém. Foram mais de 1.100 organizações signatárias representando continentes, biomas e lutas distintas, mas articuladas sob a defesa de um planeta vivo.
A carta final reforça que a crise climática é consequência de um modelo econômico que concentra riqueza, destrói territórios e precariza a vida. Movimentos afirmam que apenas a organização internacional dos povos será capaz de enfrentar as estruturas que alimentam desigualdades e colapso ambiental. A mensagem política é sintetizada na conclusão do documento. Quando a organização é forte, a luta também é.
A COP30 entra a partir desta segunda em sua fase mais política. Lula retorna a Belém na quarta para um encontro com o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, enquanto delegações pressionam por avanços em temas que definirão o futuro da governança climática mundial. Em Belém, a sociedade civil deixou seu recado para negociadores e governos. Agora, cabe à conferência decidir se estará à altura do que foi dito nas ruas.
Confira a carta na íntegra AQUI


