Negociadores tentam alinhar indicadores globais em meio a pressões por garantias financeiras e divergências sobre capacidade de medição.
A COP30 chega aos últimos dias em Belém, no Pará, sem conseguir superar um dos principais gargalos da agenda climática mundial, o financiamento necessário para que os países avancem em medidas de adaptação. A falta de consenso sobre como viabilizar esses recursos mantém travado o esforço para definir critérios que orientem políticas públicas, investimentos e planos nacionais, enquanto o avanço do aquecimento do planeta reforça a urgência por um acordo capaz de transformar anos de debate em decisões efetivas.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na reunião de Alto Nível desta terça-feira (18), fez um apelo direto para que a comunidade internacional reconheça a urgência do tema. Ela lembrou que, mesmo se as emissões de gases de efeito estufa fossem zeradas hoje, o mundo ainda enfrentaria impactos severos durante décadas.
“A adaptação precisa estar no centro da resposta global. Proteger pessoas e territórios depende de instrumentos concretos para medir o progresso, orientar políticas e reduzir vulnerabilidades. Por isso é fundamental que essa COP30 saia com os indicadores globais de adaptação finalmente aprovados.”
O pedido de Marina encontrou eco entre especialistas, mas esbarrou em velhos impasses. Segundo Flávia Martinelli, do WWF-Brasil, medir a vulnerabilidade das sociedades é parte central da discussão. Ela destacou que a definição de indicadores claros oferece um padrão comum para entender o quanto cada país está distante de uma adaptação efetiva à intensificação dos eventos climáticos extremos.
“Essas duas linhas de negociação, para essa realidade que a gente está vivendo de eventos extremos cada vez mais frequentes, é extremamente relevante e ajuda os países a terem um padrão de ação e implementação e a gente conseguir monitorar isso a longo prazo. Entender o quanto a gente tá longe de ter países mais adaptados a essa crise climática e o quanto a gente está chegando mais perto de uma realidade onde a gente consegue proteger mais as populações”, explica.
A COP30 já foi apelidada de COP da Adaptação pela expectativa de que avance na Meta Global de Adaptação, prevista no Acordo de Paris, mas ainda vaga desde sua criação. A consolidação de indicadores permitiria guiar investimentos, fortalecer respostas nacionais e estruturar os Planos Nacionais de Adaptação, espécie de bússola estratégica dos países.
O caminho até aqui, porém, foi longo. Mais de 10 mil possíveis indicadores foram levantados inicialmente. Após negociações, uma lista condensada de 100 itens foi publicada em setembro e serve de base para a disputa atual. Entre eles, estão critérios como a proporção de pessoas com acesso a água proveniente de sistemas resilientes ao clima, o percentual de reurbanização liderada por comunidades em áreas periféricas e a quantidade de pessoas vivendo na pobreza em zonas de alto risco.
A diversidade desses indicadores, conforme explicou Lucas Turmena, pesquisador da Universidade das Nações Unidas, evidencia a complexidade de traduzir adaptação em métricas objetivas.
“Nessa proposta de 100 indicadores [estão]: porcentagem de pessoas com acesso a água que venha de sistemas resilientes ao clima, ou seja, água que, ainda que exista uma seca, vai continuar sendo fornecida à população; tem um indicador sobre a proporção de reurbanização de comunidades urbanas e territórios periféricos, que incluem adaptação e são lideradas pela comunidade; tem ainda um indicador sobre a porcentagem de pessoas vivendo na pobreza em áreas muito expostas a risco. Tudo isso dá um pouco a dimensão e a amplitude desses indicadores, porque têm que cobrir todas as diferentes áreas de adaptação”.
Mas são justamente essas métricas que colocaram as negociações sob tensão. A primeira dificuldade é técnica. Alguns países não dispõem de dados essenciais ou infraestrutura para monitorar o cumprimento das metas, como imagens de satélite, que exigem contratação e tecnologia. A segunda é orçamentária. Sem financiamento e transferência tecnológica, critérios aprovados no papel correm o risco de se tornarem inviáveis na prática.
Nesta terça-feira, a fase mais delicada das negociações ganhou contornos diplomáticos explícitos. Um grupo de países africanos propôs adiar a conclusão do acordo por dois anos, transferindo a decisão para a COP de 2027, na Etiópia. Outro bloco, formado por nações árabes, defende que nenhuma meta seja fechada sem garantias concretas de aumento no financiamento climático.
O Brasil, na presidência da conferência, tenta construir uma saída negociada que evite novo adiamento e preserve o caráter urgente da adaptação. A pressão é alta. Cada sinalização de impasse adiciona um ruído a mais em um debate no qual tempo e clima não têm aguardado consensos políticos.
Com informações da Agência Brasil.


