Em nota pública, integrantes do Tribunal de Contas reforçam legalidade da operação de apreensão de gado e rebatem discursos que incitam desrespeito às decisões judiciais.
Os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Acre (TCE-AC) divulgaram uma nota pública, nesta quarta-feira (19), em defesa da atuação dos órgãos ambientais federais na Reserva Extrativista Chico Mendes e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, alvo do que classificam como uma “ofensiva injusta”.
O documento, assinado por Ronald Polanco, Naluh Gouveia e Dulce Benício, também critica a escalada de ataques contra o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) após a apreensão de gado ilegal em área protegida.
Segundo os conselheiros, a operação que resultou na retirada dos animais foi realizada em cumprimento a uma decisão da Justiça Federal, com respeito ao devido processo legal e ao direito de defesa das partes envolvidas.
“A apreensão de gado na área protegida não foi fruto de arbitrariedade, mas de determinação judicial, como exige o devido processo legal em um país que se pauta pela ordem jurídica”, afirma a nota.
O texto ainda alerta para o aumento das tensões promovidas por setores políticos e econômicos, que estariam incentivando a população a se voltar contra o cumprimento das leis ambientais. Um dos episódios citados foi a tentativa de retirada forçada do gado apreendido, classificada pelos conselheiros como um ato de “banditismo” e um “rompimento do limite da legalidade”.
“Ao tentar, à força, retomar bens apreendidos pela Justiça, rompe-se o limite da legalidade e se entra no campo do banditismo – comportamento incompatível com a democracia e que jamais deveria ser aplaudido por agentes públicos”, afirmam.
Os conselheiros também destacam que o debate sobre o modelo de desenvolvimento do Acre é legítimo, mas precisa ocorrer dentro da Constituição e com responsabilidade. Eles defendem a importância estratégica da Reserva Chico Mendes para o clima, a biodiversidade e a segurança hídrica da região. “Não é um entrave ao desenvolvimento, mas sim uma área estratégica para a manutenção do clima, da biodiversidade e da segurança hídrica em todo o Vale do Acre”.
Além disso, o documento aborda a questão agrária no estado. Para os conselheiros, o problema não é a falta de terras, mas a má distribuição e o uso ineficiente das áreas já desmatadas. “Vastas áreas ao longo da BR-364 seguem improdutivas ou voltadas à especulação fundiária”, criticam.
A nota termina com um apelo ao respeito à legalidade, à preservação ambiental e à busca de soluções baseadas em ciência e diálogo. “Defender a floresta, a Justiça e o Estado de Direito é defender o povo acreano e seu direito a uma vida decente e a um futuro digno e próspero”, concluem.
Confira nota na íntegra:
Nota Pública
A recente ofensiva injusta contra a ministra Marina Silva e os órgãos ambientais federais, em razão da execução de decisão judicial pelo ICMBio no Acre, exige um posicionamento firme em defesa do Estado Democrático de Direito.
A atuação dos órgãos ambientais no caso da Reserva Extrativista Chico Mendes se deu no estrito cumprimento de decisão da Justiça Federal, após um longo processo em que as pessoas afetadas tiveram garantido o direito à ampla e irrestrita defesa. A apreensão de gado na área protegida, portanto, não foi fruto de arbitrariedade, mas de determinação judicial, como exige o devido processo legal em um país que se pauta pela ordem jurídica.
Lamentavelmente, a reação de certos grupos políticos e econômicos tem sido a de insuflar a população contra a aplicação da lei, criando um ambiente de tensão que não ajuda a resolver conflitos e ainda ameaça a integridade das instituições. Pior: ao tentar, à força, retomar bens apreendidos pela Justiça, como se viu no recente episódio da retirada do gado, rompe-se o limite da legalidade e se entra no campo do banditismo – comportamento incompatível com a democracia e que jamais deveria ser aplaudido por agentes públicos.
O debate sobre os rumos do desenvolvimento acreano é necessário e bem-vindo, mas deve ser feito com responsabilidade, espírito público e respeito à Constituição. A natureza é um bem público, de valor coletivo e intergeracional. O artigo 225 da Carta Magna é claro: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e cabe ao poder público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo.
A Reserva Extrativista Chico Mendes, nesse sentido, não é um entrave ao desenvolvimento. Ao contrário, trata-se do último remanescente de maciço florestal no Vale do Acre – uma área essencial para a manutenção do regime de chuvas, a disponibilidade de água, a proteção da biodiversidade e a qualidade do clima que garante a vida e a produção agrícola em toda a região. Desmatá-la ou transformá-la em pasto é comprometer o futuro do próprio Acre.
O problema agrário do estado não está na falta de terra para a agricultura ou pecuária. O verdadeiro nó está na alta concentração fundiária e na ocupação predatória: vastas áreas já desmatadas ao longo da BR-364 continuam improdutivas ou são utilizadas de forma ineficiente, voltadas mais à especulação do que à produção. Defender o desmatamento de áreas protegidas, em vez de promover a regularização, a recuperação e o uso produtivo das terras já abertas, é escolher o caminho mais destrutivo e menos inteligente.
O Acre precisa de racionalidade, de políticas públicas baseadas em ciência, de diálogo institucional e de compromisso com o bem comum. O respeito à Justiça e às leis é a base da convivência democrática. Não há democracia sem instituições fortes – e não há futuro possível com a degradação do meio ambiente e a ruptura da ordem legal.
Por isso, conclamamos todas as lideranças políticas e sociais à responsabilidade, ao bom senso e ao compromisso com os valores da Constituição. Defender a floresta, a Justiça e o Estado de Direito é defender o povo acreano e seu direito a uma vida decente e a um futuro digno e próspero.
Ronald Polanco
Naluh Gouveia
Dulcinea Benício