Conexões entre chefes do tráfico em presídios federais fortalecem facções, avalia procurador-geral do MPAC

Danilo Lovisaro afirma que transferências de líderes para o sistema penitenciário federal acabaram fortalecendo redes do crime organizado no país.

As penitenciárias federais, criadas para isolar chefes do crime organizado e enfraquecer o comando das facções, podem estar produzindo o efeito oposto. A avaliação é do procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Acre (MPAC) e presidente do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC), Danilo Lovisaro, que alerta para o fortalecimento das redes criminosas a partir das conexões formadas dentro dessas unidades.

— Combater as facções no Brasil exige o isolamento de seus chefes. No entanto, quando transferimos esses chefes locais para penitenciárias federais, eles retornam ainda mais fortalecidos após o contato com outros líderes. Estamos permitindo que as organizações criminosas ampliem suas conexões — afirmou Lovisaro.

A declaração foi dada ao jornal O Globo, em reportagem, da série especial “Conexões do crime”, que revela como o Comando Vermelho (CV) tem ampliado seu poder de articulação nacional a partir das relações criadas entre detentos no sistema penitenciário federal. O levantamento mostra que a facção, nascida no Rio de Janeiro, já atua em 25 estados e no Distrito Federal, disputando espaço com o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Conexões dentro das prisões

Previstas desde 1984, as penitenciárias federais começaram a operar em 2006, com a inauguração da unidade de Catanduvas, no Paraná. A primeira grande justificativa para a criação do sistema foi a necessidade de isolar Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, então considerado o criminoso mais perigoso do país.

Entretanto, quase duas décadas depois, documentos e investigações levantados pela reportagem mostram que líderes como Beira-Mar continuam exercendo influência de dentro das prisões. Mesmo após 18 anos no sistema federal, ele é apontado como articulador de alianças que ajudaram o Comando Vermelho a expandir sua atuação.

A migração de criminosos para o Rio é um dos efeitos mais visíveis desse processo. Um dos exemplos citados é o de Luiz Carlos Bandeira Rodrigues, o Da Roça ou Zeus, traficante nascido no Ceará e com histórico em Rondônia. Depois de deixar a Penitenciária Federal de Campo Grande, ele chegou ao Rio com o aval de Beira-Mar e assumiu o controle do tráfico na comunidade da Muzema, na Zona Oeste. A Polícia Civil aponta que os dois estreitaram laços dentro do sistema federal.

Casos como esse evidenciam, segundo especialistas, que o isolamento físico não impediu o fortalecimento das redes de comando. A convivência entre criminosos de diferentes estados e facções tem permitido trocas de informações, contatos e métodos de atuação — o que, na prática, tem nacionalizado o crime organizado no país.

Mudança na lei ampliou permanência

Um dos fatores apontados para o aumento dessas conexões é a mudança na legislação que regula as transferências de presos federais. Antes, o período máximo de permanência era de 360 dias, prorrogáveis uma vez. Agora, o tempo mínimo é de três anos, também prorrogável, o que aumenta o convívio entre detentos de diferentes origens.

Especialistas afirmam que o sistema prisional federal acabou reproduzindo, em escala nacional, a mesma lógica que deu origem ao Comando Vermelho nos anos 1970, quando presos comuns e políticos passaram a conviver na Ilha Grande (RJ). O resultado, segundo o advogado criminalista Jaime Fusco, foi a criação de uma rede de crime organizada a partir das próprias prisões.

“O que nasceu como medida emergencial para conter a violência local acabou se transformando em catalisador da expansão das facções para todo o território brasileiro. O argumento oficial sustenta que isolar líderes em presídios de segurança máxima seria suficiente para enfraquecer sua capacidade de comando, porém o isolamento físico não representou avanços e, ao contrário, dentro das cadeias federais criminosos de diferentes estados e de diferentes facções passaram a conviver lado a lado, trocando informações, métodos de ação e contatos. O que era um problema estadual se tornou uma questão nacional”, explica o advogado.

Na avaliação de Lovisaro, esse contato acaba contribuindo para o fortalecimento das facções. Para ele o enfrentamento ao crime organizado depende da integração entre instituições e da adoção de estratégias de inteligência capazes de impedir a articulação entre os grupos criminosos, tanto dentro quanto fora do sistema prisional.

— Uma liderança estadual, sem relevância nacional, acaba se aproximando de chefes mais influentes, estabelece novas alianças e volta ao estado de origem com maior poder e articulação.

O diretor-geral da Polícia Penal Federal, Marcelo Stona, discorda da avaliação do procurador e diz que as penitenciárias federais cumprem seu papel de isolar líderes criminosos.

— O crime não se fortalece dentro do sistema penitenciário. Pelo contrário, ele é contido. As pessoas acreditam que, se o preso X e o preso Y estão na mesma penitenciária, eles conversam e têm convívio, mas isso não é verdade — afirmou Stona.

Segundo ele, a estrutura das unidades impede qualquer tipo de articulação. Cada presídio tem 208 celas individuais, e o contato entre presos é restrito e monitorado durante o banho de sol.

Ainda assim, relatos de agentes indicam que há brechas no sistema. Um policial penal ouvido sob anonimato afirmou que as celas não possuem isolamento acústico, o que permitiria conversas entre detentos, apesar da vigilância constante.

Em nota, ao jornal O Globo, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e a Polícia Penal Federal (PPF) afirmaram que todas as comunicações nas penitenciárias são monitoradas e que as tentativas de contato ilícito mencionadas na reportagem foram identificadas e interceptadas pelas próprias equipes de segurança.

A Senappen e a PF afirmam também que as interações entre presos nas penitenciárias federais são “acompanhadas em tempo real por policiais penais federais, que atuam com elevado padrão técnico e estrito cumprimento da Lei de Execução Penal”, e que, a partir de 2019, houve um endurecimento ainda maior de seus protocolos de segurança e inteligência, em razão de tentativas de desestabilização do sistema, inclusive com o assassinato de servidores da Polícia Penal Federal por organizações criminosas. Leia a nota na íntegra aqui.

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