Prefeitura deixa saúde, proteção e autonomia feminina fora do planejamento enquanto violência de gênero segue em níveis críticos.
A gestão do prefeito Tião Bocalom (PL) optou por deixar as políticas públicas de proteção e promoção das mulheres fora das prioridades da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2026 para Rio Branco, aprovada na Câmara Municipal, na madrugada da última sexta-feira (12).
Em um estado que ostenta índices alarmantes de feminicídios, o Executivo municipal, com o apoio de sua base, rejeitou todas as emendas que buscavam garantir financiamento mínimo para ações de saúde, enfrentamento à violência e promoção da autonomia feminina e sacramentou um orçamento que trata a vida e a segurança das mulheres como mera rubrica fictícia.
O centro da polêmica reside no programa “Mulher com Dignidade”, da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SASDH), que na LOA 2026 recebeu uma dotação total de míseros R$ 3,00. Este valor, distribuído em R$ 1,00 para “Promoção dos Direitos e Proteção da Mulher”, R$ 1,00 para “Atendimento Integral às Mulheres em Situação de Violência” e R$ 1,00 para “Autonomia de Mulheres Negras”, representa 0,00000012% do orçamento total de R$ 2,4 bilhões, segundo o detalhamento da própria peça orçamentária.
A decisão de relegar a política de mulheres a um patamar de insignificância simbólica se dá em um contexto de extrema gravidade no Acre. O estado já contabiliza 14 feminicídios consumados de janeiro até o início de dezembro de 2025, quatro deles ocorreram na capital Rio Branco, um número que iguala os piores anos da série histórica (2016 e 2018) e reforça o fracasso em reduzir a violência letal contra a mulher. Além disso, foram registradas cerca de 5 mil ocorrências de violência doméstica no mesmo período.
Para o vereador André Kamai (PT), autor de algumas das propostas derrotadas, a ausência de recursos financeiros revela a inexistência de uma política pública real. Ele argumenta que não existe gestão de direitos sem orçamento e que a realidade apresentada pela prefeitura é de um desleixo absoluto.
“Lá no programa de políticas para as mulheres tem R$ 3,00 hoje. Na ação que é para a defesa de mulheres vítimas de violência tem R$ 1,00. Essa é a realidade. E o que a gente tem reclamado e protestado com relação a isso é que isso mostra que a Prefeitura não tem uma política voltada para as mulheres. Se no orçamento não foi colocado, é porque não tem política. Não existe política pública sem orçamento. Não existe política pública simbólica’, afirmou.
O parlamentar aponta que o orçamento é a face do gestor e, no caso de Bocalom, essa face ignora as mulheres. “Quem escolhe, como o prefeito mesmo disse esses dias, o orçamento da Prefeitura é a cara do gestor. Então, o orçamento que é a cara do prefeito Bocalom, não tem as mulheres”, disparou Kamai.
Ele classifica como inaceitável que a política para a infância receba cerca de R$ 1,4 milhão, um valor que considera insuficiente diante de outras prioridades da gestão. “Tem menos dinheiro para a política de infância do que foi tirado para comprar brinquedo no Natal. Então, a gente não pode simplesmente normalizar isso”, pontuou.
A rejeição, orientada diretamente pelo Executivo, segundo Kamai, alcançou inclusive uma emenda alinhada ao Plano Plurianual (PPA) 2026–2029 já aprovado, que criaria uma Ação Orçamentária na Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) para a “Promoção da Saúde Integral da Mulher,” voltada à prevenção e diagnóstico de câncer.
Também foram rejeitadas emendas que buscavam suplementações de recursos para ações do programa “Mulher com Dignidade”, com recursos remanejados de outras dotações, em uma proposta de cerca de R$ 1 milhão no total.
Embora exista uma uma reserva na LOA de R$ 295.002,00 para a Casa Rosa Mulher, um equipamento municipal de atendimento de mulheres em situação de violência, este valor está alocado em outro programa, “Rio Branco com Oportunidade”, e não está vinculado à estrutura central de planejamento e execução de ações de enfrentamento à violência e promoção da autonomia feminina, que é o programa “Mulher com Dignidade”.
A Lei Orçamentária foi aprovada com 15 votos favoráveis e quatro contrários. Única vereadora da base a votar favoravelmente às emendas foi Elzinha Mendonça (PP), que afirmou que a gravidade do problema deveria ter se sobreposto a alinhamentos políticos. Para ela, a rejeição representa a perda de uma oportunidade concreta de fortalecer a rede de proteção. “Sem investimento, o enfrentamento à violência permanece frágil e os riscos tendem a se manter ou até se agravar.”
A oposição criticou a falta de debate público e o esvaziamento de áreas sensíveis. Ainda assim, a justificativa do Executivo sustenta que o orçamento atende às demandas sociais prioritárias. Os números, porém, contam outra história.


