Acre está entre os estados com maior índice de violência sexual contra crianças na Amazônia Legal, aponta estudo

Taxa acreana chegou a 163,7 casos por 100 mil crianças e adolescentes em 2023, acima da média nacional; seis estados amazônicos estão entre os dez mais violentos do país

O Acre figura entre os seis estados da Amazônia Legal com as maiores taxas de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. O dado faz parte do estudo “Violência contra crianças e adolescentes na Amazônia”, divulgado nesta quinta-feira (14) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Entre 2021 e 2023, a região amazônica registrou mais de 38 mil casos de estupro contra vítimas de até 19 anos e quase 3 mil mortes violentas intencionais nessa mesma faixa etária. No Acre, a taxa de violência sexual foi de 163,7 casos a cada 100 mil crianças e adolescentes em 2023, valor acima da média nacional (116,4) e próximo do índice médio da própria Amazônia Legal (141,3).

Além do Acre, os estados de Rondônia (234,2), Roraima (228,7), Mato Grosso (188,0), Pará (174,8) e Tocantins (174,2) também apresentam altas taxas de violência sexual. Todos esses estados estão entre os dez do país com maiores índices desse tipo de violência, mostrando um retrato preocupante da região, com taxas 21,4% superiores à média nacional.

Fronteiras mais perigosas

O estudo também identificou que municípios localizados a até 150 quilômetros de fronteiras brasileiras apresentam risco maior. Neles, a taxa de estupros contra crianças e adolescentes chegou a 166,5 por 100 mil, contra 136,8 nos municípios não-fronteiriços.

No caso acreano, essa vulnerabilidade se soma a fatores como isolamento geográfico, presença de rotas de tráfico e conflitos fundiários. “As desigualdades étnico-raciais e a vulnerabilidade social da região, que tem larga área de fronteira e alta incidência de crimes ambientais, geram um cenário complexo para garantir os direitos da infância”, afirmou Nayana Lorena da Silva, oficial de Proteção contra a Violência do UNICEF no Brasil.

Violência letal e desigualdades raciais

Embora o estudo aponte uma leve redução nas mortes violentas de crianças e adolescentes na Amazônia Legal entre 2021 e 2023, o risco continua alto. Jovens de 15 a 19 anos que vivem em centros urbanos da região têm 27% mais chances de serem mortos do que outros adolescentes brasileiros.

A desigualdade racial agrava o cenário. As violências letal e sexual impactam de forma diferente meninos e meninas brancos, negros e indígenas na Amazônia. Entre as vítimas de estupro, 81% eram pretas ou pardas, e 2,6% eram indígenas.

A taxa entre os negros foi de 45,8 casos a cada 100 mil crianças e adolescentes, maior do que a entre brancos, que foi de 32,7.  No resto do Brasil, a maior incidência de violência sexual era registrada entre crianças e adolescentes brancos.

No caso das mortes violentas, crianças e adolescentes negros da Amazônia Legal estão três vezes mais expostos que brancos, inclusive em relação às mortes decorrentes de intervenção policial. Em 2023, 91,8% das vítimas de mortes por ação policial eram negras, 7,9% brancas e 0,3% indígenas, com taxas de 1,5 para negros e 0,5 para brancos a cada 100 mil.

Crianças indígenas também sofrem impactos significativos dessas desigualdades. Usando números do Ministério da Saúde, o relatório mostra que foram registradas 94 mortes violentas no triênio 2021-2023, e os casos de violência sexual contra indígenas mais que dobraram nesse período, com aumento de 151%.

Maus-tratos dentro de casa

Outro dado alarmante é que a maioria dos casos de maus-tratos ocorre dentro da própria casa e tem como autor um familiar.

Em 2023, 94,7% das ocorrências registradas na Amazônia foram cometidas por parentes, e 67,6% aconteceram no domicílio. As vítimas, em sua maioria, eram meninas negras entre cinco e nove anos de idade.

O UNICEF e o FBSP destacam que o enfrentamento à violência infantil na Amazônia precisa considerar as especificidades regionais, incluindo o fortalecimento de políticas de proteção, melhorias nos registros policiais e de saúde, capacitação de conselheiros tutelares para atendimento à população indígena e ações de combate ao racismo estrutural.

Para Nayana Lorena, “é preciso compreender e enfrentar o problema para assegurar a proteção de cada criança e adolescente da Amazônia Legal”.

Os dados do estudo foram obtidos através de pedidos via Lei de Acesso à Informação às 27 secretarias estaduais de Segurança Pública (SSP) e/ou Defesa Social do Brasil.

No caso dos dados de violência letal e sexual contra crianças indígenas, foram utilizados números consolidados pelo Ministério da Saúde, devido a maior quantidade de informações sobre a raça/etnia das vítimas no banco de informações do órgão.

As bases usadas foram o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), para as mortes violentas intencionais; e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), para os casos de violência sexual.

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