2ª Turma reconhece irregularidades na investigação da Polícia Federal e invalida diligências feitas sem supervisão do STJ; julgamento da ação penal segue suspenso no Superior Tribunal de Justiça.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta sexta-feira (19), anular parte das provas produzidas contra o governador do Acre, Gladson Camelí, no âmbito da Operação Ptolomeu.
Por maioria de 4 votos a 1, o colegiado reconheceu irregularidades em atos investigativos realizados pela Polícia Federal (PF) entre maio de 2020 e janeiro de 2021, período em que as diligências ocorreram sem a supervisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância competente para investigar governadores.
A decisão atende parcialmente a um recurso apresentado pela defesa de Camelí e atinge provas consideradas centrais na fase inicial da apuração, especialmente relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) requisitados sem autorização judicial.
Gladson Camelí é réu no STJ pelos crimes de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, fraude à licitação e organização criminosa. A acusação aponta o suposto desvio de cerca de R$ 11 milhões em recursos públicos por meio de empresas contratadas pelo governo estadual, que teriam subcontratado firmas ligadas a familiares do governador para operacionalizar os desvios.
Usurpação de competência
Prevaleceu no julgamento o voto do ministro André Mendonça, que apontou violação às regras constitucionais de competência.
Para o ministro, embora a simples menção ao cargo de governador em interceptações telefônicas não fosse suficiente para deslocar automaticamente o caso ao STJ, o cenário mudou quando a PF requisitou diretamente ao Coaf relatórios envolvendo empresas do governador, sua esposa e até seu filho menor de idade.
“Dou provimento parcial ao recurso para reconhecer, no tocante ao paciente, a usurpação da competência do STJ nas investigações realizadas entre 25/05/2020 e 12/01/2021”, afirmou Mendonça, ao votar pela nulidade das provas produzidas nesse intervalo e das que delas derivaram.
O entendimento foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Este último, embora tenha seguido a divergência, apresentou ressalvas, defendendo especificamente o desentranhamento dos relatórios do Coaf, por considerar que houve violação ao direito ao sigilo bancário e à intimidade.
Para Nunes Marques, os relatórios não decorreram de fiscalização espontânea do Coaf, mas de provocação direta da autoridade investigativa, o que, segundo ele, compromete a legalidade do material produzido.
Fachin ficou vencido
Relator do caso, o ministro Edson Fachin votou contra o recurso da defesa. Em seu entendimento, a simples referência ao nome ou ao cargo de autoridade com prerrogativa de foro não desloca automaticamente a competência para um tribunal superior.
Segundo Fachin, isso só ocorre quando há indícios concretos e plausíveis de participação ativa em ilícitos.
O ministro também afastou a tese de “fishing expedition”, argumento da defesa segundo o qual a investigação teria avançado de forma genérica e exploratória. Fachin lembrou que o STJ já havia rejeitado essa alegação e reafirmou o entendimento do STF no Tema 990, que autoriza o compartilhamento de relatórios do Coaf com órgãos de persecução penal, desde que haja controle jurisdicional posterior.
Julgamento suspenso no STJ
A decisão do STF ocorre em paralelo ao julgamento da ação penal no STJ.
Na última quarta-feira (17), a Corte Especial iniciou a análise do mérito da denúncia. Em voto duro, a relatora, ministra Nancy Andrighi, votou pela condenação de Gladson Camelí a 25 anos e 9 meses de prisão, em regime inicial fechado, além do pagamento de mais de R$ 11,7 milhões por danos materiais ao erário e da perda do cargo de governador.
Nancy Andrighi também rejeitou todas as preliminares apresentadas pela defesa, inclusive o pedido de suspensão do julgamento em razão do habeas corpus em trâmite no STF. Para a ministra, a condenação se apoia em provas autônomas, produzidas sob a supervisão do próprio STJ, e não nos relatórios do Coaf questionados na Suprema Corte.
Após o voto da relatora, o ministro João Otávio de Noronha pediu vista do processo, suspendendo o julgamento.
Com o recesso do Judiciário, a retomada da análise ficou para 2026.
Por que o caso está no STF e no STJ?
Apesar de tratarem dos mesmos fatos, STF e STJ analisam aspectos distintos do processo.
No Supremo, a discussão se limita à legalidade de atos investigativos praticados antes da remessa do caso ao tribunal competente, especialmente a requisição de relatórios financeiros e a alegada usurpação de competência.
Já no STJ, a Corte Especial julga o mérito da ação penal, avaliando se há provas suficientes para condenação ou absolvição do governador.
Assim, as decisões dialogam, mas não se confundem: o STF decide sobre a validade de provas; o STJ, sobre a responsabilidade penal.
Governador comemora decisão
Após a conclusão do julgamento no STF, Gladson Camelí celebrou o resultado em nota divulgada nas redes sociais.
“Acabo de receber a notícia de que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento que reconheceu que as provas criadas contra mim, na Operação Ptolomeu, foram elaboradas de forma ilegal e, por essa razão, devem ser anuladas”, afirmou.
O governador agradeceu o apoio recebido e disse que continuará exercendo normalmente suas funções. Segundo ele, neste sábado (20), após evento na Arena da Floresta, em Rio Branco, irá conversar com a imprensa para comentar os desdobramentos do caso.
A decisão do STF não encerra o processo, mas reposiciona o tabuleiro jurídico em uma das ações mais sensíveis da política acreana nos últimos anos, cujos efeitos ainda devem repercutir tanto nos tribunais quanto no cenário político do estado.
Confira na íntegra a nota do governador:
Acabo de receber a notícia de que a 2ª turma do Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento que reconheceu que as provas criadas contra mim, na Operação Ptolomeu, foram elaboradas de forma ilegal e, por essa razão, devem ser anuladas.
Quero agradecer todas as orações, mensagens e demonstrações de carinho, apoio e reconhecimento que recebi dos acreanos, desde o início até o dia de hoje. Essa confiança foi fundamental para me manter cada vez mais forte.
Como disse em outras oportunidades, sempre confiei na justiça dos homens, mas principalmente na justiça de Deus.
Assim como fiz durante o andamento de todo o processo, continuarei minhas atividades de forma normal e amanhã, durante o dia, terei a oportunidade de conversar com a imprensa para dar mais detalhes, após o evento na Arena da Floresta, às 17h30.
Agora reservo esse momento para estar em contato com meus familiares e agradecer mais uma vez a Deus pela proteção e justiça.
Gladson de Lima Camelí
Governador do Acre


