STJ inicia julgamento de Gladson Cameli nesta quarta-feira (17), mas decisão deve ficar para 2026

Governador do Acre virou réu em 2024 por crimes como corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro no âmbito da operação Ptolomeu.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) inicia, nesta quarta-feira (17), em Brasília, o julgamento da ação penal contra o governador do Acre, Gladson Cameli (PP). A sessão está prevista para às 14h.

O julgamento estava inicialmente marcado para o dia 19 de novembro de 2025, mas foi adiado para o dia 3 de dezembro após a defesa de Cameli apresentar recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) alegando cerceamento do direito de defesa. Uma semana após a remarcação, a data foi adiada para esta quarta.

Cameli tornou-se réu em 15 de maio de 2024, quando o STJ aceitou a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Na ocasião, os ministros rejeitaram o pedido de afastamento do cargo. O governador responde pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude à licitação. Em depoimento prestado em novembro de 2024, ele negou todas as acusações.

A ação penal é resultado da operação Ptolomeu, conduzida pela Polícia Federal desde 2019, que investiga um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro no Acre responsável pelo desvio de R$ 11,7 milhões.

Para a PGR, Gladson Cameli exerceu papel central no esquema. Em manifestação apresentada ao STJ, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen afirmou que o governador “agiu ativa e pessoalmente para garantir a estabilidade e execução do arranjo, atuando como líder da organização criminosa”.

Embora o processo esteja na pauta da Corte Especial, a expectativa é de que a análise não seja concluída ainda este ano. Apuração do Poder360 indica que o julgamento deve se estender para 2026, em razão do calendário apertado e do recesso do Judiciário, que começa no sábado (20).

No julgamento desta quarta-feira, o tribunal ainda pode se limitar à fase inicial, com a apresentação das sustentações orais e a leitura dos votos da relatora, ministra Nancy Andrighi, e do revisor, ministro João Otávio de Noronha. Há a possibilidade de um pedido de vista por parte de algum ministro, o que suspenderia a análise por até 60 dias, com chance de prorrogação por mais 30. Como os prazos ficam interrompidos durante o recesso, esse cenário empurraria o julgamento para o fim do primeiro trimestre de 2026.

Caso isso ocorra, Cameli pode não estar mais no cargo quando o processo voltar à pauta. O governador deve deixar o Palácio Rio Branco no final de março para disputar uma das vagas ao Senado pelo Acre. Pesquisa do instituto Real Time Big Data, realizada nos dias 11 e 12 de dezembro de 2025, mostra Cameli na liderança em todos os cenários testados.

Desde que a denúncia foi aceita, o governador tem adotado discurso público de confiança na Justiça. Logo após o STJ negar seu afastamento, em maio de 2024, afirmou que pela primeira vez foi ouvido e que teria a oportunidade de se defender e provar sua inocência. “Pela primeira vez, fui ouvido e agora posso me defender. A Justiça cumpriu o seu papel, e agora terei a oportunidade de me defender e provar minha inocência e idoneidade”, declarou.

Em outubro deste ano, após a definição da data do julgamento, voltou a dizer que estava tranquilo e que quem não deve não teme, destacando sua origem familiar e negando a necessidade de se apropriar de recursos públicos.

“Graças a Deus que marcaram pra acabar de uma vez por todas com essa interrogação no Estado. Eu estou super tranquilo, porque quem não deve não teme. Venho de uma família tradicional, uma família que sempre foi empresarial. Eu não preciso furtar nada dos órgãos públicos”, afirmou em entrevista ao Na Proa da Notícia.

O governador também passou a criticar a condução das investigações e sugerir motivação política por trás das acusações. “O mais interessante é que, quando houve toda essa manipulação de toda essa operação que ocorreu, ninguém se perguntou quem era quem no jogo do bicho. Então, eu estou muito tranquilo. Eu confio muito na Corte Especial. Quem não gosta muito disso aí, de quando eu digo que sou super tranquilo, são meus adversários”, disse.

Em entrevistas recentes, Cameli também direcionou críticas diretas à relatora do processo. Em novembro de 2025, questionou a ministra Nancy, alegando que sua defesa não teve acesso integral aos autos e que investigações teriam alcançado familiares sem autorização do STJ.

“Como é que eu posso me defender se não tenho acesso aos autos? […] Como é que posso me defender de uma situação que criaram por irregularidade, sem autorização do Superior Tribunal de Justiça, porque isso é uma prerrogativa que cada governador tem. Investigaram minha ex-mulher, meu filho, sem autorização da Justiça do STJ. E agora vou dar credibilidade para um negócio desse? Aí depois que o Supremo se manifesta, aí que aparece esse circo da noite para o dia […] E essa credibilidade quem tem que responder não sou eu. É a dona ministra. É a dona ministra Nancy”, disse.

As declarações ocorreram após a defesa apresentar recurso alegando cerceamento do direito de defesa, especialmente em relação a relatórios de inteligência financeira do Coaf que teriam sido compartilhados com a Polícia Federal (PF). O recurso foi acolhido pelo ministro do STF, Gilmar Mendes, que entendeu que a ausência desses documentos nos autos comprometeu a ampla defesa. A decisão determinou o envio do material à defesa e provocou o adiamento do julgamento, inicialmente marcado para novembro e depois remarcado para esta quarta-feira.

Mesmo permanecendo no cargo, o governador cumpre medidas cautelares impostas pela Justiça, como a proibição de contato com testemunhas e outros investigados, a impossibilidade de deixar o país, a entrega do passaporte e o bloqueio de bens e valores.

Entenda o caso

A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta que o esquema criminoso teria começado em 2019, no âmbito da Secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do Acre (Seinfra). Segundo a acusação, a pasta aderiu a uma ata de registro de preços vencida, firmada com a empresa Murano, sediada em Brasília, sem histórico de atuação no Acre e sem estrutura física no estado.

A licitação original foi realizada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano, do campus de Ceres (GO), para a prestação de “serviços comuns de engenharia referentes à manutenção predial”. No Acre, porém, a Murano passou a executar grandes obras rodoviárias por meio de subcontratações. Uma delas foi a Rio Negro Construções, que tem como sócio Gledson Cameli, irmão do governador.

De acordo com a PGR, a adesão à ata foi feita pelo então secretário de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano, Thiago Rodrigues Gonçalves Caetano, em maio de 2019, ele também denunciado. Uma semana depois, a Seinfra assinou contrato com a Murano e, no dia seguinte, a empresa firmou uma Sociedade em Conta de Participação com a Rio Negro.

Para o subprocurador-geral Carlos Frederico Santos, o modelo societário foi utilizado para ocultar a participação do irmão do governador, prática vedada pela legislação. A PGR aponta que cerca de dois terços do valor pago correspondem a serviços estranhos ao objeto contratado, em claro desvirtuamento do princípio da isonomia.

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