“A liberdade passa pela leitura”: como o programa Presídios Leitores transforma vidas no sistema prisional do Acre

A leitura como ponte para a liberdade. Esse é o princípio que sustenta o Programa Presídios Leitores, iniciativa que, desde 2021, ressignifica rotinas, provoca reflexões e reacende perspectivas dentro do sistema prisional do Acre. O projeto, que articula educação, literatura e humanidade, defende que o ato de ler não apenas ocupa o tempo no cárcere. Ele reorganiza o pensamento, amplia o olhar e restabelece vínculos.

Criado pelo Grupo de Investigação de Leitura e Vida (GIL), da Universidade Federal do Acre, e coordenado pela professora Zeza Moraes, o Presídios Leitores se consolidou como uma das ações mais consistentes de ressocialização no estado. A iniciativa, que é desenvolvida em parceria com o Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), Instituto Federal do Acre (Ifac), Secretaria Estadual de Educação (See), Tribunal de Justiça (TJ) e Academia Acreana de Letras (AAL), estimula a leitura entre reeducandos e promove a produção de resumos avaliados por uma equipe externa.

Equipe do Presídios Leitores durante lançamento do programa em Sena Madureira. Foto: Carina Castelo Branco

O processo de remição prevê que cada participante leia um livro por mês e entregue um resumo que é avaliado pelo quadro de revisores capacitados no programa. Se o texto comprovar a leitura, e for aprovado pelos avaliadores, o reeducando recebe o benefício da remição de quatro dias da pena. Em um ano, um ele pode remir até 48 dias.

Caminho que começa com um livro

A vice-coordenadora do projeto, Maria Ana da Silva Morais Lima, lembra que a iniciativa começou em Cruzeiro do Sul, com apenas 40 participantes. Hoje, alcança mais de 500 leitores nas unidades prisionais acreanas. “O Programa Presídios Leitores acredita que a leitura é capaz de humanizar uma pessoa. Não é que ele não seja humano, mas ela faz com que os aspectos humanos possam crescer, aparecer melhor: a reflexão, a forma de olhar o outro, de agir”, afirma.

Maria Ana da Silva Morais Lima, vice-coordenadora do programa. Foto: Carina Castelo Branco

Maria Ana também destaca que o programa vem contribuindo de forma significativa para o processo educacional dos participantes. Segundo ela, muitos reeducandos relatam que, a partir da rotina de leitura, passaram a compreender melhor os conteúdos escolares e ter mais resultados no processo de aprendizagem.

“Eles nos dizem que a leitura melhorou a aprendizagem, que conseguem entender melhor as palavras, interpretar textos e até acompanhar com mais segurança as atividades educacionais oferecidas no presídio. Isso mostra que o programa não é apenas sobre remição de pena, é sobre aprender, evoluir e reconquistar ferramentas essenciais para a vida”, ressalta.

Lançamento do projeto marca início das atividades de leitura e produção de resenhas em Sena Madureira. Foto: Carina Castelo Branco

O projeto já está presente em unidades de Tarauacá, Senador Guiomard, Rio Branco e, agora, Sena Madureira. Nesta quinta-feira (19), a chegada oficial ao município marcou mais um capítulo dessa trajetória.

Nesse percurso, o Presídios Leitores também assumiu a tarefa de revitalizar bibliotecas antes desatualizadas ou desorganizadas. Com apoio de bibliotecários do Tribunal de Justiça, da Ufac e do Ifac, os acervos passaram a ser catalogados e sistematizados, e servidores e reeducandos foram capacitados para gerir o fluxo de empréstimos das obras.

“Existe uma lei que é obrigatória que cada presídio tenha uma biblioteca. E quando nós começamos o programa, percebemos que as bibliotecas tinham pouco acervo, ou tinham um acervo não muito organizado. Então, o que nós fizemos? Trouxemos bibliotecários da Ufac, do Ifac e do Tribunal de Justiça, que são nossos parceiros. Eles organizaram, catalogaram e sistematizaram os acervos no BibliLibre, que é o sistema de biblioteca on-line. Além de fazerem esse processo técnico, eles ainda prepararam uma pessoa dentro do presídio para utilizar o sistema de distribuição de livros” explica Maria Ana.

A bibliotecária do TJ, Elinei Carvalho, é voluntária no projeto. Foto: Carina Castelo Branco

A bibliotecária do TJ, Elinei Carvalho, voluntária do projeto, descreve esse envolvimento com entusiasmo. “Conheci o trabalho do programa Presídios Leitores pela professora Zeza e pela professora Maria Ana. Eu e meu colega Alexandre nos encantamos de imediato. Depois que participamos da semana de leitura em Cruzeiro do Sul, passamos a integrar a equipe. A gente higieniza, organiza, cataloga os livros e treina o funcionário do Iapen. É uma honra enorme, porque a meta do Judiciário também é ser humanitário. A ressocialização de quem cumpre pena é fundamental”, destaca.

Reeducandos participam do Programa Presídios Leitores, que garante a remição de quatro dias de pena a cada livro lido. Foto: Carina Castelo Branco

Dentro do cárcere, onde o tempo tende a se acumular em silêncios, a leitura abre janelas. Para muitos, é a chance de reconstruir uma rotina de estudo e disciplina. Para outros, a primeira oportunidade concreta de retomar um projeto de vida.

É o caso do reeducando V. C. S., formado em pedagogia pela Ufac, que hoje atua na biblioteca recém-organizada da unidade de Sena Madureira. “Ao ler, você descobre o mundo. Estou cuidando da biblioteca e também participo do projeto. É muito gratificante, porque a gente se distrai, aprende, melhora. Foi uma oportunidade muito boa que me deram aqui”, relata.

Chefe da Divisão de Estabelecimento Penal de Sena Madureira, Francisco Alex Nascimento. Foto: Carina Castelo Branco

A equipe da unidade reconhece o impacto. Para o chefe da Divisão de Estabelecimento Penal de Sena Madureira, Francisco Alex Nascimento de Souza, o programa vai além de uma ação educativa. “É uma ferramenta essencial para garantir a ressocialização dos apenados e o direito à educação.”

O presidente do Iapen, Marcos Frank Costa, reforça a importância do esforço conjunto. “Existem pessoas que decidem tomar um rumo diferente, e essas merecem nossa atenção. Ainda que seja um, toda essa estrutura vale a pena. Às instituições parceiras e aos policiais penais, muito obrigado. Sem vocês, o projeto não seria possível.”

Nova biblioteca de Sena Madureira recebeu 649 volumes organizados por bibliotecários voluntários e agora atende 300 reeducandos. Foto: Carina Castelo Branco

Além do lançamento em Sena Madureira, o Presídios Leitores realizou a oficina de capacitação para avaliadores no campus do Ifac e inaugurou uma nova biblioteca prisional, totalmente organizada pela equipe do programa. O espaço recebeu um acervo de 649 livros, agora disponíveis para os 300 reeducandos da unidade.

Oficina forma novos avaliadores que irão analisar as resenhas produzidas pelos reeducandos no Presídios Leitores. Carina Castelo Branco

Organizada segundo padrões técnicos, a biblioteca nasce como mais do que uma sala com estantes. É, nas palavras da vice-coordenadora, “uma porta que pode transformar a vida de alguém que queira, pela leitura, ser transformado pela educação”.

“A liberdade passa pela leitura”, slogan do Presídios Leitores. Foto Carina Castelo Branco

A vice-coordenadora destacou ainda que a iniciativa é aberta à participação voluntária da sociedade. “Nós abrimos a possibilidade de qualquer pessoa interessada se tornar voluntária no banco de avaliadores do programa. Quando abrimos novas datas para oficinas, basta entrar em contato, fazer a inscrição e participar de uma formação de oito horas, que garante certificado. Nessa oficina, ensinamos como atuar no programa e proporcionamos uma compreensão completa do funcionamento dele.”

Ela encerrou reforçando o impacto do projeto no sistema prisional do Acre. “Venha fazer parte com a gente desse programa que tem mudado a vida de muita gente dentro do sistema prisional acriano.”

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