Comerciantes retinham cartões do Bolsa Família e cobravam dívidas fictícias de famílias indígenas em situação de vulnerabilidade.
A Polícia Civil do Acre (PCAC) desarticulou um esquema de exploração financeira que atingia famílias indígenas beneficiárias do programa Bolsa Família nos municípios de Jordão e Tarauacá, no interior do estado. A ação, batizada de Operação Patrão, cumpriu 28 mandados de busca e apreensão, resultou em quatro prisões e conduziu oito pessoas para prestar depoimento.
As investigações, iniciadas há cerca de dois anos pela Delegacia-Geral de Tarauacá, revelaram um modelo de exploração que remete ao antigo sistema de barracão dos seringais. De acordo com a polícia, comerciantes locais retinham cartões bancários e senhas de indígenas, realizavam saques indevidos dos benefícios e repassavam mercadorias a preços abusivos. O esquema se sustentava pela vulnerabilidade das vítimas, muitas com baixa escolaridade e pouco acesso a informações financeiras.
Durante as buscas, realizadas nesta quarta-feira (12), os agentes apreenderam 300 cartões de beneficiários do Bolsa Família, R$ 70 mil em espécie, quantias em dólar e euro, 6 mil litros de combustível, armas, munições, máquinas de cartão, celulares e cadernos de anotações. Parte dos materiais, como combustíveis e gás, era armazenada irregularmente, representando risco à população.
O delegado José Ronério, responsável pelo caso, destacou que a prática configura uma forma contemporânea de servidão econômica. “A retenção de cartões bancários e documentos de indígenas é uma forma moderna de exploração, com raízes históricas no sistema de barracão dos seringais. Nossa missão é romper esse ciclo, responsabilizando os envolvidos e garantindo a dignidade das comunidades atingidas”, afirmou.
Entre os presos está o ex-vereador de Jordão, Francisco Alves Guimarães, de 70 anos, detido em flagrante por porte ilegal de arma de fogo e comércio irregular de munições. A defesa informou que ele foi solto após audiência de custódia e negou qualquer envolvimento com o esquema de exploração, alegando que o ex-parlamentar “realiza vendas a prazo, mas não retém cartões ou documentos de indígenas”.

A Direção-Geral da Polícia Civil destacou 20 agentes para reforçar o efetivo local e dar amplitude às diligências. O delegado-geral da PCAC, José Henrique Maciel, enfatizou que a operação “representa a defesa das populações tradicionais e indígenas frente à exploração econômica que ainda persiste em regiões isoladas do estado”.
O nome Operação Patrão faz referência ao período dos seringais, quando trabalhadores eram mantidos sob controle por dívidas fictícias e dependência econômica dos patrões. Segundo a Polícia Civil, o termo simboliza a continuidade de uma estrutura de dominação que ainda se manifesta em novas formas de exploração.
Os investigados poderão responder por crimes contra a ordem econômica e ambiental, além de outras infrações identificadas durante o inquérito. A Polícia Civil informou que as investigações continuam para identificar outros envolvidos e medir o alcance do esquema.


