O Bar do Zé do Branco, um dos pontos mais conhecidos e tradicionais de Rio Branco, nasceu em 1975, quando José Antônio Vera, hoje com 69 anos, abriu o primeiro balcão em frente à antiga empresa Irmãos Lameira, responsável pelas primeiras linhas de ônibus do Acre.
O movimento constante dos trabalhadores do transporte coletivo garantiu os primeiros fregueses e sustentou o negócio que virou parada obrigatória até o fechamento da empresa. “Era muito motorista, muito cobrador, fiscal… todo tipo de gente”, recorda.
Com a mudança da empresa, o movimento diminuiu, e Zé do Branco, como é conhecido, decidiu mudar o ponto e recomeçar a rotina na Rua Barbosa Lima, no bairro da Base, as margens do Rio Acre. Desde então, enfrentou períodos difíceis, a pandemia e o fechamento obrigatório. Ainda assim, o bar resistiu, sustentado pela insistência da família.
“Ficamos sem renda nenhuma. Só com o meu salário de servidor público”, lembra José. O retorno à normalidade pós pandemia foi marcado por um novo fôlego nos negócios e pela fidelidade dos clientes. “Quando tudo voltou, o bar começou a dar certo de novo. Deus abençoou de uma tal maneira que começou a dar lucro e muito”, conta.
O sucesso, no entanto, foi interrompido mais uma vez. O bar não resistiu a uma nova enchente do Rio Acre e teve parte da estrutura levada pelo desbarrancamento das margens em 2023.
“A enchente veio e levou o bar, né? A gente ficou sem estrutura nenhuma. Aí começamos um trabalho pra voltar, né? A gente ficou um ano fechado, sem funcionar. Você imagina, um ano sem ganhar nada. E tendo uma família grande como a minha, né? Minhas filhas, minhas irmãs, meus netos, tudinho. A gente ficou parado mesmo, sem renda nenhuma.”

Sem recursos, a família sobreviveu com o que tinha até receber apoio de órgãos do governo e da prefeitura para reconstruir o espaço. O local onde funcionava o bar foi interditado pela Defesa Civil, e Zé precisou recomeçar em um novo ponto, na mesma rua. “Pra voltar, o pessoal do governo e o pessoal da prefeitura ajudaram a gente pra ficar aqui, entendeu?”, relata.
O retorno após a enchente consolidou ainda mais o Bar do Zé do Branco como ponto cultural e de reencontro na capital. Zé conta que recebe visitantes de vários estados. “Vem gente do Pará, do Rio, de Fortaleza, do Mato Grosso. Todo mundo quer saber como está a Base, e vem aqui.”
Zé está quase sempre atrás do balcão ou nas mesas, conversando com os fregueses e observando o movimento da rua. Diz que muitos clientes entram no bar mais para vê-lo do que para comer. “O pessoal vem mais é pra conversar comigo, pra saber das histórias da Base. Tem gente que chega e diz: ‘cadê o Zé? Se ele não tá, eu volto depois’. É o Zé que o povo quer ver”, comenta, rindo com a naturalidade de quem se tornou parte viva da paisagem do bairro.
Quem cresceu na Base e se mudou também sempre volta para visitar o lugar e ouvir suas histórias. “Eles dizem: vamos lá no Zé do Branco pra saber como está o bairro. Ô Zé do Branco, me conta as fofocas da Base. Quem é que tá pegando chifre? Quem é que tá namorando quem? Aí a gente senta, conversa. É desse jeito”, brinca o comerciante.

A casa é conhecida principalmente pela panelada com jambu, alfavaca, tempero caseiro e cachaça. O prato, segundo Zé, começou a ganhar fama quando era vendido congelado para estudantes de medicina na Bolívia, na fronteira com o Acre. Peixes como mandim, caparari e jaraqui também fazem parte do cardápio diário.
“O prato mais vendido é a panelada. Porque a minha panelada é feita de jambu, né? Aí eu boto um bocado de material dentro. Eu boto alfavaca, boto o nosso tempero caseiro, que a gente faz nós mesmos. Boto cachaça dentro, boto um bocado de tempero, e ela pegou, né? Antigamente eu fazia pra vender pros médicos da Bolívia. Eu congelava, botava no isopor e ali do outro lado entregava. Os caras levavam pros médicos que estavam estudando lá. Aí comecei a trabalhar assim, e começou a pegar”, recorda.

O bar sustenta a família e mantém Zé ativo mesmo após a aposentadoria. “O bar é a vida da minha família. É o que nos sustenta e nos une”, afirma. Ele dedicou décadas ao serviço público no Acre e teve sua trajetória registrada no livro Brava Gente Acreana, publicado pelo Senado Federal.
A história do comerciante começa antes da mudança para o bairro. Nascido no Amazonas, chegou ao Acre ainda criança, após longa viagem de barco, trazido pelo pai, Alcides Pereira Vera, conhecido como Branco, apelido herdado pelo filho. A família, então com oito filhos, veio com a esperança de estudar e conseguir emprego no governo estadual.
“Meu pai queria que a gente estudasse. Ele encheu um barril de feijão, tapou com cera. Farinha do mesmo jeito. Botou tudo dentro do barco”, relembrou.
Sem sucesso imediato, passou anos vivendo em barcos ancorados entre o porto da Base e o antigo porto em frente ao Cine Teatro Recreio, na Gameleira, Centro da capital, até decidir ocupar um terreno no bairro onde permanece até hoje.

O rio que leva e devolve
Cinco décadas desde a fundação, o bar permanece no mesmo bairro, como testemunha das cheias, das secas e das histórias do Rio Acre. O estabelecimento de Zé do Branco já foi levado e devolvido pelo rio mais de uma vez.
“A água sobe, a gente perde, depois recomeça”, conta. Morador da Base há quase 70 anos, Vera convive com o vai e vem das águas desde que chegou ao Acre, uma rotina que aprendeu a enfrentar, mas cujo ritmo se tornou mais intenso nos últimos anos.
O comerciante fala com a serenidade de quem aprendeu a respeitar a força da natureza, mas também com o cansaço de quem vê o equilíbrio se desfazer. As mudanças climáticas alteraram o comportamento das chuvas e a força das águas, transformando a rotina de quem vive às margens do rio. O que antes era um ciclo de renovação, agora traz destruição.
“Antigamente era de quatro em quatro anos. Hoje, todo ano o rio invade”, diz, apontando para o muro que guarda as marcas das últimas cheias.
Ainda assim, Zé segue por ali, reconstruindo o bar e a esperança, como quem insiste em permanecer junto ao rio que sempre fez parte da sua história. Ele percebe essas transformações sem precisar de relatórios ou previsões, e sente nas paredes, no chão e nas contas quando o rio se antecipa.
Entre enchentes, mudanças e reconstruções, o Bar do Zé do Branco segue como um porto seguro da memória afetiva do bairro, um lugar onde se come bem, se ri das histórias e se recorda, entre um prato e outro, do quanto o rio e o tempo moldam a vida de quem vive ali.


