Brasil tem maior queda nas emissões de gases de efeito estufa em 16 anos, mas segue fora da meta climática

Relatório do SEEG aponta redução de 16,7% nas emissões em 2024, puxada pelo recuo no desmatamento. Agropecuária e energia seguem em alta e podem impedir o cumprimento da NDC até o fim de 2025.

O Brasil registrou em 2024 a maior queda em suas emissões de gases de efeito estufa em 16 anos, com recuo de 16,7% em relação a 2023, segundo dados da 13ª edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. O país liberou 2,145 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente (GtCO₂e), o menor volume desde 2009.

A queda, a segunda maior desde o início da série histórica em 1990, foi impulsionada principalmente pela redução do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. As emissões líquidas, que descontam a absorção de carbono por florestas e áreas protegidas, recuaram ainda mais, 22%, totalizando 1,489 GtCO₂e.

Apesar do avanço expressivo, o país ainda está longe de cumprir o compromisso assumido no Acordo de Paris, que prevê emissões líquidas de no máximo 1,32 GtCO₂e até 2025. As projeções indicam que o Brasil deve encerrar 2025 com 1,44 GtCO₂e, cerca de 9% acima da meta.

“O desmatamento cai, mas todos os outros setores sobem. Toda a mitigação fica nas costas do combate ao desmatamento, e isso precisa mudar”, afirmou David Tsai, coordenador do SEEG.

Fonte: Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG)

Amazônia ainda concentra mais da metade das emissões

O levantamento mostra que 58% das emissões nacionais têm origem na Amazônia, região que concentra o maior número de focos de desmatamento e queimadas do país. Entre os cinco setores avaliados, mudança de uso da terra, agropecuária, energia, resíduos e processos industriais, o desmatamento ainda é o principal vilão, embora tenha sido também o que mais reduziu suas emissões em 2024.

A mudança de uso da terra (categoria que inclui o desmate) registrou queda de 32,5%, passando de 1,34 GtCO₂e para 906 milhões de toneladas. Em contrapartida, os demais setores permaneceram praticamente estáveis: –0,7% na agropecuária, +0,8% em energia, +2,8% em processos industriais e +3,6% em resíduos.

Com isso, o peso relativo das atividades no total das emissões brasileiras mudou:

  • 42% vieram da mudança de uso da terra;
  • 29% da agropecuária;
  • 20% da energia;
  • 5% de resíduos;
  • 4% de processos industriais.

No ano anterior, essas participações eram de 52%, 24%, 16%, 4% e 4%, respectivamente.

Fogo e agropecuária ainda pesam

Mesmo com a queda do desmatamento, as queimadas continuam a pressionar o clima e as florestas. Em 2024, os incêndios não relacionados ao desmate liberaram 241 milhões de toneladas de CO₂, praticamente o mesmo volume das emissões líquidas geradas pela perda de cobertura vegetal.

“Estamos vendo um descolamento entre fogo e desmatamento, que normalmente andam juntos. Isso é um sinal de que a mudança do clima já interfere perigosamente nas florestas”, alertou Bárbara Zimbres, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

O setor agropecuário responde por 29% das emissões e continua sendo o maior motor da poluição no país. A pecuária, em especial, é responsável por metade das emissões nacionais, com destaque para o metano proveniente da fermentação entérica do gado, com potencial de aquecimento 28 vezes maior que o CO₂. Se fosse considerado um país, o boi brasileiro seria o sétimo maior emissor mundial, à frente do Japão.

Apesar de uma redução de 0,2% no rebanho bovino e aumento de 11% no confinamento, o setor manteve as emissões praticamente estáveis. A agricultura teve pequenas quedas no uso de fertilizantes (–3,8%) e calcário (–3,3%), reduzindo emissões de óxido nitroso e dióxido de carbono

“As emissões da agropecuária ficaram praticamente estáveis, mas o setor ainda tem potencial para contribuir com as remoções de carbono, se adotar boas práticas agrícolas em larga escala”, afirmou Priscila Alves, analista-sênior do Imaflora.

Energia, resíduos e petróleo pressionam a balança climática

O setor de energia registrou alta de 0,8% nas emissões, chegando a 424 MtCO₂e. O aumento poderia ter sido maior não fosse o consumo recorde de etanol, que atingiu 36 bilhões de litros em 2024 e reduziu as emissões no transporte de passageiros em 3%.

A geração de eletricidade, porém, teve um salto de 17% nas emissões, reflexo da menor oferta hídrica e da ativação de termelétricas a gás. Mesmo assim, a matriz elétrica brasileira continua sendo uma das mais limpas do mundo: 50% renovável, com destaque para as fontes eólica, solar e biomassa.

Já o setor de resíduos apresentou a maior alta percentual entre os segmentos, com crescimento de 3,6%, atingindo 96 MtCO₂e, o maior valor da série histórica. O aumento foi influenciado pela expansão da coleta de lixo e pela revisão populacional do IBGE.

“Precisamos avançar na erradicação dos lixões, na recuperação de resíduos e no tratamento de esgoto, que ainda são gargalos estruturais”, avaliou Iris Coluna, do ICLEI América do Sul.

O relatório também chama atenção para as emissões ocultas do petróleo exportado. Em 2024, o Brasil vendeu ao exterior 85 milhões de toneladas de óleo cru, recorde histórico. Embora essas emissões não entrem nas contas nacionais, elas são liberadas quando o produto é queimado em outros países, somando cerca de 260 MtCO₂e.

“Não conta para a nossa emissão, mas é carbono brasileiro sendo queimado em algum lugar”, afirmou Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

Metas ameaçadas e futuro incerto às vésperas da COP30

Mesmo com a expressiva redução de 2024, o Brasil continua fora do ritmo necessário para cumprir suas metas climáticas. Segundo o SEEG, o controle do desmatamento “já bateu no teto”, e outros setores precisarão reduzir emissões rapidamente para que o país alcance o desmatamento zero até 2030 e honre o Acordo de Paris.

“O governo dá com uma mão e tira com a outra: protege as florestas, mas aposta pesado no petróleo, que agrava a crise climática e ameaça essas mesmas florestas”, criticou Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.

Obras federais como o asfaltamento da BR-319 e o projeto da Ferrogrão, que liga o Mato Grosso ao Pará, também preocupam os pesquisadores, por seu potencial de incentivar novas frentes de desmatamento na Amazônia.

Márcio Astrini ressaltou que o país não pode depender apenas da preservação florestal. Sem redução significativa nas emissões da agropecuária, energia e indústria, o Brasil, vai chegar à COP30, sem cumprir sequer a meta intermediária de 2025.

“As políticas de controle do desmatamento estão funcionando, mas o país não pode depender apenas delas. Sem reduzir as emissões do agro, da energia e da indústria, o Brasil continuará andando em círculos climáticos”, concluiu Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

Com informações do G1 e InfoAmazônia.

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