Demarcação de terras indígenas reduz impactos de queimadas e doenças infecciosas, aponta estudo

Análise inédita com dados da Amazônia e da Mata Atlântica reforça que áreas legalmente protegidas beneficiam a saúde humana até 500 km de distância.

Um estudo liderado por pesquisadoras brasileiras concluiu que Terras Indígenas (TIs) legalmente reconhecidas têm papel fundamental na redução dos impactos das queimadas e na mitigação de doenças infecciosas tropicais. A análise, baseada nos primeiros 20 anos deste século, mostrou que comunidades situadas até 500 quilômetros dessas áreas se beneficiam diretamente dos efeitos ambientais e sanitários proporcionados pelos territórios indígenas.

A pesquisa, publicada neste mês na revista científica Nature, reúne dados dos nove países que compõem a região amazônica e traz resultados semelhantes para a Mata Atlântica. O trabalho foi conduzido por Julia Barreto, do Instituto de Estudos Avançados da USP, e Paula Prist, do Forests and Grassland Program, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), em Washington.

“Nossas descobertas reforçam a importância do reconhecimento legal das Terras Indígenas, não apenas para conter o desmatamento, mas também para melhorar a saúde humana local”, destacam as autoras.

As pesquisadoras avaliaram dados entre 2000 e 2019, com foco no material particulado fino (PM2,5), liberado pelas queimadas. Com menos de 2,5 micrômetros, essas partículas irritam mucosas, afetam o sistema respiratório, acumulam-se no sangue e aumentam o risco de doenças cardiovasculares. Carregadas pelos ventos, podem alcançar áreas a centenas de quilômetros de distância.

Segundo Paula Prist, a escolha desse poluente “tem relação direta com os impactos na saúde humana”. Julia Barreto acrescenta que o uso de séries históricas longas torna os resultados mais robustos e menos suscetíveis a variações conjunturais, como crises políticas, pandemias ou fenômenos climáticos.

A equipe também cruzou informações sobre malária, leishmaniose e hantavírus com dados populacionais indígenas e não indígenas nos nove países amazônicos (Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Suriname, Guiana Francesa e Guiana).

Menos queimadas, menos doenças

Os resultados mostram que TIs legalmente protegidas reduzem significativamente o número de focos de calor, a área queimada e a emissão de poluentes atmosféricos. Essa proteção também se reflete na menor incidência de doenças infecciosas tropicais nas regiões próximas.

“O contexto municipal é importante nessa equação. Precisa-se de muito mais floresta para compensar áreas degradadas. A Terra Indígena protegida equilibra toda a região”, explica Paula Prist.

O estudo confirma a hipótese de que territórios indígenas reconhecidos oficialmente oferecem maiores benefícios colaterais à saúde humana por preservarem a floresta e reduzirem pressões externas. Entretanto, os efeitos não são uniformes: variam conforme o tipo de doença, os vetores, a densidade populacional e o nível de preservação da área.

No caso das doenças respiratórias — ampla maioria dos casos analisados — a relação é direta: quanto maior a integridade e a extensão da floresta, menor o impacto na saúde dos moradores. Municípios com áreas preservadas abaixo de 40% perdem esse efeito compensatório, principalmente no caso de doenças infecciosas.

Vista da aldeia Beira Rio, Terra Indígena Erikpatsa, do Povo Rikbaktsa, legalmente demarcada. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

As florestas desempenham papel essencial na remoção do material particulado do ar, processo conhecido como deposição seca. Segundo as autoras, proteger mais áreas sob manejo indígena pode reduzir significativamente os poluentes atmosféricos, melhorando a saúde das populações vizinhas.

O estudo também aponta que fatores socioeconômicos e comportamentais, estrutura da paisagem e perda de biodiversidade influenciam a dinâmica das doenças. Essas variáveis, porém, exigem pesquisas locais mais detalhadas para subsidiar políticas públicas eficazes.

“A importância dos territórios indígenas vai além do reconhecimento do direito ancestral. Eles têm um papel concreto sobre a saúde humana”, afirma Julia Barreto.

Rede internacional e dados abertos

O levantamento contou com uma rede de colaboração científica entre os países amazônicos, permitindo a coleta e padronização de dados. As informações obtidas estão disponíveis publicamente para outros grupos de pesquisa.

Para Julia Barreto, essa é uma das principais contribuições do estudo: “Foi uma parte muito rica do trabalho, levantando questões que podem ser respondidas mais à frente”.

Segundo as pesquisadoras, os resultados oferecem evidências robustas para embasar políticas ambientais e de saúde pública, reforçando que proteger Terras Indígenas não é apenas uma questão de justiça histórica, mas também de saúde coletiva.

Com informações da Agência Brasil.

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