Grife celebra legado de Chico Mendes com criação inspirada na ancestralidade e na luta ambiental

Desfile ocorreu na Casa de Criadores, em São Paulo, e une estética, ancestralidade e ativismo político em resposta ao avanço do desmonte ambiental no país.

A estilista indígena e ativista Dayana Molina apresentou no último sábado (26), durante o quinto dia da Casa de Criadores, a nova proposta criativa de sua marca Nalimo, intitulada “Chico Mendes, no Coração da Floresta”. A linha, que abriu as apresentações no Centro Cultural São Paulo, presta homenagem ao líder sindical, seringueiro e ambientalista acreano assassinado em 1988 por fazendeiros contrários à sua luta em defesa da Amazônia.

Dayana Molina apresentou sua nova criação inspirada na floresta e na luta de Chico Mendes. Foto: Reprodução/Instagram

O desfile ganhou ainda mais peso político por ocorrer dias após a aprovação, pelo Congresso Nacional, de um projeto de lei que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no Brasil. A proposta, que aguarda sanção ou veto presidencial, facilita a exploração de áreas preservadas, reduzindo as exigências e o controle sobre atividades com potencial de impacto ambiental.

“Falamos sobre proteger a floresta, mas quem a protege não está protegido”, declarou Day Molina, como é conhecida no segmento da moda, momentos antes da apresentação. Em suas redes sociais, a criadora também criticou o avanço da chamada “PL da devastação”.

“Falar de Chico Mendes no tempo atual é repudiar a PL da devastação e clamar por justiça social. Somos o país que mais mata ativistas ambientais. A morte de Chico nos traz um alerta: as pessoas que protegem as florestas precisam ser protegidas”.

A estilista apontou que seu principal objetivo é ampliar o conhecimento público sobre Chico Mendes. “Se o público entender a importância do que ele representa, eu cumpri meu papel, como criadora e como ser humano”, afirmou

Elementos como o látex da seringueira, o couro de peixe e as sementes de pau-brasil reforçam a ancestralidade e a resistência presentes em cada peça da nova linha assinada por Molina. Foto: Marcelo Soubhia/Agência Fotosite

Moda como território de resistência

A coleção foi desenvolvida a partir de uma imersão de dez dias na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, onde Molina esteve com familiares do ambientalista e comunidades locais. O território conserva mais de 1 milhão de hectares da Floresta Amazônica e forneceu parte das matérias-primas utilizadas nas peças.

Entre os materiais usados estão látex extraído da seringueira, folhas de vitória-régia, cascalhos das castanheiras, couro de pirarucu e tilápia, além de algodão orgânico e pigmentos vegetais. Os tons terrosos e brancos predominam nos looks, que incluem vestidos texturizados, corsets, pulseiras de marchetaria e coletes com bolsos amplos inspirados no vestuário dos seringueiros.

Desfile Nalimo. Foto: Marcelo Soubhia/Agência Fotosite

Nada, porém, é literal. A estilista evita estereótipos ou representações caricatas da Amazônia. Os contornos dos rios, por exemplo, aparecem em bordados feitos com sementes de pau-brasil, e os cortes estruturados carregam simbologias discretas que dialogam com a cultura dos povos originários.

“Tudo nesta coleção é corpo de floresta. É modo de existir que recusa a destruição. Esta coleção não desfila. Ela ocupa com beleza. Ela denuncia os corpos que tombam. Ela diz: Chico vive”, afirma o material de divulgação assinado pela estilista.

Moda com propósito

Dayana Molina é descendente dos povos funiô e aymará e aprendeu moda com sua avó, Nana, antes mesmo desse conceito ser entendido por sua família em toda a sua universalidade. Foi com o costurar dela e de outras mulheres indígenas pernambucanas que a estilista passou a conhecer essa arte. Aos 17 anos, passou a tratar como profissão e, hoje, ela é dona da marca de roupas Nalimo.

A autenticidade e talento de Day Molina, como é conhecida no segmento da moda, a levaram até o MET Gala de 2022, evento no qual o canal E! Entertainment apresentou um vestido feito por ela. Mas, seu foco está menos no mercado internacional e mais na descolonização da moda brasileira. Sua produção é 100% feita por mulheres, com foco em sustentabilidade, ancestralidade e justiça social.

Como ela mesma diz, “busco mais de Pernambuco do que de Paris”. Tudo que ela faz tem profundo comprometimento com o meio-ambiente e com o empoderamento feminino.

Com a coleção “Chico Mendes, no Coração da Floresta”, ela reforça a vocação da moda como instrumento de denúncia e transformação. Ao unir estética e ativismo, Day constrói um manifesto visual contra as ameaças à Amazônia e ao legado daqueles que lutam por ela.

Nalimo. Casa de Criadores. Foto: Marcelo Soubhia/Agência Fotosite
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