Primo de Chico Mendes e liderança histórica do extrativismo, Raimundão é alvo de ataques em meio a ofensiva contra o desmatamento e a criação irregular de gado na Amazônia.
As ações de fiscalização contra o desmatamento e a criação irregular de gado na Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex), no Acre, desencadearam uma onda de tensões. Uma das principais lideranças extrativistas da região, Raimundo Mendes de Barros — o Raimundão —, primo do ambientalista Chico Mendes, passou a ser alvo de intimidações e ameaças após a deflagração da “Operação Suçuarana”, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no último dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente.
A ação, que tem como objetivo combater o avanço da pecuária ilegal de grande porte dentro da Resex, reacendeu tensões entre extrativistas históricos e aqueles que hoje transformam a floresta em pasto. A situação escalou a ponto de Raimundão ser citado em áudios e mensagens de grupos de WhatsApp como o “responsável” pelas operações.

Alguns recados ameaçadores alertavam para que ele e sua família não “tivessem o mesmo destino de Chico Mendes”, assassinado em 1988, por sua luta contra a destruição da floresta. O agravamento das ameaças gerou preocupação entre familiares, lideranças e organizações da sociedade civil.
Em entrevista ao jornal O Varadouro, a filha de Raimundão, a jovem liderança Raiara Barros, de 21 anos, afirmou que a família, que vive no Seringal Rio Branco, está vivendo sob constante medo. “Eu hoje estou perdendo a minha juventude com esse medo que a gente sempre carrega por estar à frente defendendo o legado de Chico Mendes, o legado do Raimundão. […] “São pessoas capazes de tudo. É um medo extremo que toma conta da gente”, disse ela. Raiara é integrante do Coletivo Varadouro, que reúne jovens moradores das reservas extrativistas do Acre.

Além das ameaças pessoais, Raimundão e iniciativas ligadas à sua atuação passaram a ser alvo de acusações infundadas. O Ateliê da Floresta, projeto comunitário que promove a capacitação de jovens e o uso sustentável da madeira caída na floresta, foi atacado por um vereador local, que os responsabilizou por atividades ilegais. Em nota, o coletivo repudiou as acusações e reforçou seu compromisso com a legalidade: “Trabalhamos apenas com madeiras caídas naturalmente na floresta, algumas há muitos anos no chão, respeitando o tempo da natureza e a legislação ambiental.”
A Associação dos Produtores e Produtoras Agroextrativistas do Seringal Floresta e Adjacência (ASPAFA), presidida pelo líder extrativista, também se posicionou. “O que nos preocupa é a manipulação política em torno dessa situação”, escreveu a entidade, que atua na defesa do Plano de Uso da Reserva, construído de forma participativa pelos moradores tradicionais e em apoio às ações dos órgãos ambientais.

A Central Única dos Trabalhadores do Acre (CUT-AC) também expressou solidariedade. “Promover discursos que atacam e difamam a honra de lideranças comunitárias não é o caminho nem a conduta correta diante de uma situação que exige responsabilidade através do diálogo”, afirmou a nota da organização sindical.
O Comitê Chico Mendes, em nota pública intitulada “Pela defesa de quem defende”, manifestou apoio aos defensores da Resex Chico Mendes, incluindo Raimundão. A nota critica a tentativa de deslegitimar as ações de fiscalização com base em distorções e ameaças dirigidas a servidores públicos e lideranças comunitárias.
“É inaceitável que, diante da gravidade da situação, figuras públicas e grupos políticos utilizem o medo para manipular comunidades e estimular conflitos”, diz o texto. O comitê reafirma que fiscalizar não é violência, mas uma obrigação legal voltada à preservação ambiental e à garantia dos direitos das comunidades extrativistas. “Seguiremos vigilantes, fortalecendo o diálogo com as comunidades e defendendo, com coragem e firmeza, os princípios que deram origem à Reserva Extrativista Chico Mendes.”

O Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), fundado por Chico Mendes, também declarou apoio à operação do ICMBio. Em nota publicada em 9 de junho, o CNS ressaltou que as ações de fiscalização são fundamentais para conter o avanço do desmatamento e proteger as famílias extrativistas que ainda resistem aos interesses da pecuária ilegal.
“A atuação permanente do órgão gestor no combate as atividades ilegais na área da Resex é uma forma de diminuir a vulnerabilidade socioambiental e combater as ameaças que a Resex vem enfrentando nos últimos anos. Reconhecemos a importância de implementação das políticas públicas de apoio a gestão e governança socio territorial, e a necessidade urgente da implementação de todas as Reservas Extrativistas no Brasil”, diz a nota.

Operação Suçuarana
A Operação Suçuarana é uma resposta ao desmatamento acelerado na Resex Chico Mendes, que perdeu quase 385 km² de cobertura florestal entre 2019 e 2024, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A unidade já é considerada uma das líderes em taxas de desmatamento em toda a Amazônia Legal.
Durante a operação, que continuará por tempo indeterminado, o ICMBio, com apoio de forças federais e estaduais, visa apreender cerca de 400 cabeças de gado criadas de forma irregular dentro da reserva. Só nos primeiros dias, dezenas de animais foram removidos de áreas embargadas. Um homem suspeito de invadir a Resex teve o gado, que estavam em condição ilegal, apreendidos. Outra apreensão foi feita de um proprietário que estava criando gado em área embargada.
O órgão federal está atendendo cobranças do Ministério Público Federal e decisões judiciais. Os agente estão em busca da identificação e punição dos infratores e invasores que já haviam sido notificados administrativamente e possuem decisões judiciais transitadas em julgado.
Segundo o ICMBio, a criação de gado é permitida apenas para subsistência, por moradores cadastrados como beneficiários. No entanto, muitos deixaram de ser extrativistas e arrendaram suas terras para grandes pecuaristas, numa prática que viola o plano de uso da reserva. Outros simplesmente invadiram e desmataram para abrir pasto.
“A Reserva Extrativista Chico Mendes é uma área federal protegida com fins de compatibilizar a conservação do meio ambiente com atividades econômicas realizadas de modo sustentável pelos beneficiários que lá residem. É a nossa unidade mais desmatada e a partir da identificação deste dado estamos realizando operações continuadas de proteção da Resex””, explicou Carla Lessa, gerente regional do ICMBio para a Amazônia.
A Operação Suçuarana tem o apoio do Batalhão de Polícia Militar Ambiental do Acre (BPA), Força Nacional (FN), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF), Exército Brasileiro (EB), Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Acre (Idaf).
A fiscalização ocorre em Sena Madureira, Rio Branco, Capixaba, Xapuri, Brasiléia, Epitaciolândia e Assis Brasil e tem como alvo principal é a pecuária irregular praticada por invasores em pontos diversos dentro da unidade de conservação.