Acre lidera ranking nacional de sítios arqueológicos ameaçados por atividades humanas, revela estudo inédito

Mapeamento inédito do MapBiomas mostra que quase 90% dos sítios arqueológicos no estado já estão cercados por áreas antropizadas.

Quase invisíveis à vista desatenta, os resquícios das antigas civilizações que habitaram o território acreano agora ganham visibilidade e um alerta vermelho. Um levantamento inédito divulgado pelo projeto MapBiomas mostra que o Acre é o estado brasileiro com maior proporção de sítios arqueológicos em áreas impactadas por atividades humanas. De acordo com o estudo, 89,2% desses locais históricos no estado estão cercados por áreas desmatadas ou ocupadas com agricultura, pastagens ou expansão urbana.

A iniciativa do MapBiomas, intitulada Cobertura e Uso da Terra nos Sítios Arqueológicos no Brasil (1985–2023), cruzou informações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com imagens de satélite dos últimos 38 anos. O resultado é um diagnóstico preocupante sobre a degradação das paisagens que guardam memórias das populações ancestrais do Brasil e, no Acre, essa transformação do entorno é particularmente intensa.

“O cruzamento e a disponibilização destes dados abertos ao público ajudam a entender onde estes sítios estão localizados, se é numa área impactada por atividades humanas ou não, e também pode apontar para uma tendência de aumento de atividades antrópicas em alguma determinada região e a extensão desse aumento, o que pode nos gerar um alerta”, explica Thiago Berlanga Trindade, chefe do Serviço de Registro e Cadastro de Dados do Iphan.

A Amazônia concentra 10.197 dos 27.974 sítios arqueológicos identificados no país, mais de um terço do total. Mas, segundo os dados do MapBiomas, a cobertura de vegetação nativa no entorno desses sítios vem sendo substituída por áreas ocupadas. Em 1985, apenas 19% estavam em regiões antropizadas. Em 2023, o índice subiu para 47,5%.

“Apesar da ocupação humana histórica desses sítios, agora podemos analisar as mudanças e os impactos da ocupação recente sobre essas áreas”, afirma Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas. Ela lembra que muitos desses locais só foram descobertos após intervenções humanas, como obras de infraestrutura ou desmatamentos.

No Acre, o processo de antropização ao redor dos sítios é ainda mais acelerado. Quase 90% já estão em áreas modificadas, índice bem acima da média nacional de 49,6%. É o maior percentual entre os estados brasileiros. Em contrapartida, estados como Roraima, Piauí e Amapá registram os menores níveis de intervenção no entorno, com a maior parte dos sítios ainda cercada por vegetação nativa.

Esses sítios arqueológicos são testemunhos silenciosos da presença humana na região há milhares de anos. Podem conter desde fragmentos cerâmicos e urnas funerárias até geoglifos — figuras geométricas gigantes feitas no solo pelas antigas civilizações amazônicas, algumas delas visíveis apenas do alto. No Acre, essas estruturas são especialmente abundantes e têm sido alvo de estudos que revelam sofisticadas formas de ocupação e manejo da floresta no passado.

Apesar disso, a expansão recente da agropecuária e a ausência de mecanismos de proteção eficazes colocam esse patrimônio sob risco. “A ocupação humana histórica muitas vezes ajudou a revelar esses sítios. Mas o crescimento desordenado e sem planejamento pode levar à sua destruição”, alerta Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.

Quando comparado ao cenário de 1985, o estudo mostra uma inversão significativa na cobertura do entorno: naquela época, 53,5% dos sítios no Brasil estavam cercados por vegetação nativa, enquanto hoje 43,1% estão rodeados por agropecuária. As florestas, que ocupavam 43,2% do entorno, agora dão lugar à produção rural.

“Quando um sítio arqueológico está localizado em uma área antropizada, uma série de preocupações com a sua preservação e conservação devem ser observadas, e esse levantamento pode apontar para os locais onde devemos prestar mais atenção, ou tratar de maneira priorizada”, destaca Berlanga.

Além do uso da terra, os dados foram cruzados com alertas de desmatamento entre 2019 e 2024. Nesse período, 122 sítios arqueológicos foram atingidos por desmate, a maioria nos biomas Caatinga (29), Mata Atlântica (31) e Amazônia (17). Em muitos casos, os impactos estão relacionados à expansão agrícola ou a projetos de energia solar e eólica.

Segundo Marcos Rosa, quase dois terços desses sítios afetados estão em áreas desmatadas para expansão agrícola. “No Rio Grande do Norte, estão 13 dos 19 sítios arqueológicos em alertas de desmatamento relacionados à expansão de projetos de energias sustentáveis”, exemplifica.

Para Marina Hirota, cientista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que colaborou com o estudo, os números devem servir de alerta. “A intensificação das atividades humanas ao redor dos sítios arqueológicos reforça a urgência de políticas públicas de conservação. Esses locais não são apenas ruínas: são parte da identidade e da história brasileira, especialmente dos povos da floresta.”

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