Região da Amacro, que inclui o estado, segue pressionada pelo avanço do agronegócio; ameaças de morte atingem recorde na última década.
Em 2024, o estado do Acre se manteve no mapa da violência no campo, segundo o relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado nesta quarta-feira (23). Os dados, coletados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), mostram que o estado registrou 62 conflitos no campo no ano passado. Desse total, 59 foram relacionados à disputa por terra e 3 por água. As principais vítimas foram seringueiros (28 casos) e posseiros (26), além de indígenas e outras comunidades tradicionais.
O Acre está entre os dez estados com maior número de conflitos por terra no país. Inserido na região conhecida como Amacro — fronteira agrícola que abrange áreas do Amazonas, Acre e Rondônia —, o estado compõe uma zona crítica onde o avanço do agronegócio tem intensificado disputas fundiárias. Em 2024, a Amacro somou 185 conflitos, dois a mais que no ano anterior.

Apesar de parecer pequeno, o crescimento indica a persistência de uma realidade marcada por tensões fundiárias, avanço do agronegócio e pressão constante sobre territórios indígenas, ribeirinhos, seringueiros e pequenos agricultores. A Amacro tem sido uma das áreas mais sensíveis no mapa dos conflitos fundiários da Amazônia Legal — que, por sua vez, concentrou quase mil ocorrências de conflitos por terra no último ano.
No cenário nacional, os conflitos por terra continuam sendo o principal vetor da violência no campo. Em 2024, das 2.185 ocorrências registradas, 1.768 foram relacionadas a disputas por posse e ocupação — o maior número da última década. O estado do Maranhão lidera nos conflitos por terra (363), seguido do Pará (234), Bahia (135), Rondônia (119) e Amazonas (117).
Em 2024, as categorias das ocorrências foram disputas por:
- terra (78% dos casos);
- água (12%);
- trabalho (6%);
- resistência (4%).
Os conflitos relacionados à água também subiram de 225 para 266. Nos registros de 2024, existem dois principais tipos de violência pela água, que são “Uso e preservação” (71%) e “Barragens e açudes” (23%). Os conflitos por “Uso e preservação” da água lideram com 70% dos registros, seguidos de “Barragens” (23%) e “Apropriação da água” (7%).
Em 2024 também cresceu o número de resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão, aponta o relatório. O aumento foi de 39%, o que corresponde a 1.622 trabalhadores resgatados. Já o número de casos caiu 40%, com o total de 151 ocorrências registradas, embora a CPT aponte subnotificação nesses registros.
Outro destaque é o aumento significativo nos casos de contaminação por agrotóxicos, com 276 ocorrências registradas em 2024, em comparação com 32 ocorrências em 2023, representando um crescimento aproximado de 762%. A grande maioria dos casos (228) ocorreu no Maranhão. Segundo a CPT, comunidades tradicionais estão sendo atingidas pela pulverização aérea de agrotóxicos na região.
Assassinatos caem, mas violência se reinventa
Também houve queda no número de assassinatos: foram 13 em 2024, contra 31 no ano anterior. No entanto, a CPT alerta que essa redução não indica pacificação.
“A diminuição dos homicídios não representa um ambiente mais seguro, mas sim uma mudança nas estratégias de violência, com ênfase em formas indiretas de expulsão, como incêndios e desmatamento ilegal”, afirma o relatório.
Os indígenas continuam sendo as maiores vítimas fatais (5), seguidos dos sem terra (3), assentados (2), pequeno proprietário (1) posseiro (1) e quilombola (1).
Dos 13 assassinatos registrados, 8 aconteceram nas regiões de Exploração das Fronteiras Agrícolas, representando 62% dos casos, segundo o relatório. A área abrange parte do Nordeste, do Norte, do Cerrado e o Matopiba (formado pelo Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
O estudo constatou que 46% dos crimes foram comandados por fazendeiros e 31% tiveram policiais como executores.
Ameaças batem recorde
O dado mais preocupante, porém, está nas ameaças de morte, que atingiram o maior patamar da série histórica, saindo de 2019 para 272 registros. De acordo com os dados, os maiores registros de pessoas ameaçadas estão nos estados da Bahia, Pará, Maranhão e Rondônia.
“O aumento das ameaças demonstra um ambiente de medo e perseguição constante no campo brasileiro”, observa a CPT.
O ano apresentou também aumento nos registros de intimidação (192 para 221) e tentativas de assassinato (72 para 103), um salto de quase 50%. No caso das tentativas de assassinato, 79% das vítimas são indígenas, sendo mais da metade delas (52%) do Mato Grosso do Sul, com os principais causadores identificados como fazendeiros, em áreas de retomada.
Aumento de incêndios e desmatamento
O relatório apontou um aumento de 11% dos incêndios (194) e 39% de crescimento do desmatamento ilegal (209) na comparação entre 2024 e 2023.
De acordo com a CPT, a região mais afetada pelo desmatamento e pelo fogo é a Amazônia Legal, com destaque para o Mato Grosso, responsável por 25% dos casos de incêndios registrados no território nacional, e o Pará, que concentra 20% dos registros de desmatamento ilegal.
Atores e vítimas
Fazendeiros são apontados como os principais causadores dos conflitos, responsáveis por 44% das violências por terra, além de liderarem os casos de incêndios (47%) e desmatamento ilegal (38%). Grileiros, empresários e madeireiros completam o perfil dos principais agressores.
Na outra ponta, os povos indígenas continuam como o grupo mais afetado, com 29% dos registros (481), seguidos por posseiros (425) e quilombolas (221), especialmente entre os povos e comunidades tradicionais do Maranhão.
Ações de resistência
Em 2024, foram registradas 649 manifestações de luta no país, incluindo atos públicos, protestos e bloqueios de rodovias e hidrovias. Esse dado faz de 2024 o segundo ano com o menor número de manifestações nos últimos dez anos, atrás apenas de 2018, quando foram registradas 554. Apesar da redução nos registros de ações de resistência pelo terceiro ano consecutivo, o número de participantes aumentou em comparação a 2023, saltando de 111.233 pessoas para 169.998.
A diminuição nas ações de resistência, como ocupações, retomadas e formação de acampamentos, pode ser lida como um sinal de retração dos movimentos sociais frente ao recrudescimento da violência.
Amacro epicentro de um conflito
O Acre, mesmo não liderando em número absoluto, está inserido em um território que simboliza o embate constante entre os modos de vida tradicionais e a expansão agropecuária. A região da Amacro, que deveria ser um corredor de proteção socioambiental, transformou-se em epicentro de conflitos fundiários.
Outro fator de preocupação é a atuação do grupo ruralista autodenominado “Movimento Invasão Zero”, com forte presença no Norte e Nordeste. Composto por grandes fazendeiros e apoiado por milícias e forças de segurança privada, o grupo é acusado de ataques a acampamentos e territórios retomados, além de pressionar politicamente por projetos de lei que criminalizam ocupações feitas por movimentos sociais e comunidades tradicionais. As ações do grupo chamam atenção nos casos de violência em conflitos pela terra, registrados em 2024.
A CPT conclui que, apesar de quedas pontuais em alguns indicadores, a violência no campo segue em níveis alarmantes, especialmente em regiões como Amacro e Matopiba, onde o avanço da fronteira agrícola impõe ameaças crescentes a quem vive da terra.